Agora é tarde

A recomendação que a partir dos quarenta e cinco anos, sem sintomas, sem história familiar de câncer da próstata, não fazia caso na cabeça já passada em anos daquele senhor, que nesse mês de marco em seu começo, finado carnaval, completava nada mais do que cinquenta anos de vida.

Antero era forte como uma árvore de aroeira ainda rija sem os inoportunos cupins a assaltarem seu tronco já bem andado em anos.

Até aquela idade, perdida a mocidade, não se lembrava de quando teve de fazer uma visita ao médico. A derradeira vez, se não lhe fracassava a memória, foi quando um furúnculo o importunou naquele lugar sobre o qual afirmava, vangloriando-se: “quer saber? Aqui é apenas um lugar de saída. Permitir a entrada de qualquer outra coisa nunca vai acontecer”.

Acontece que Antenor acabou envelhecendo. Seguindo a ordem natural das coisas.

A mocidade se perdeu nos verdes anos. A meninice então, nem se lembrava dela.

Apesar da saúde que sempre nele teve lugar cativo, com o passar do tempo Antenor, aos mais de quarenta anos, começou a sofrer de uma estranha sensação de não conseguir esvaziar a bexiga.

Acordava durante a noite, a princípio de duas em duas horas, e ia ao banheiro com pressa, assentava-se ao vaso, e ali permanecia por minutos intermináveis, observando, sem saber o motivo, pelo qual a urina saía em pingos.

O pai, falecido por enfermidade constatada por causa de um câncer de próstata, acabou se despedindo antes dos cinquenta anos. A exemplo do filho Antenor sempre se gabou de ter uma saúde perfeita. Até a data do seu passamento.

Mas, devido ao trabalho que sempre fez parte da sua vida, Antenor dizia não ter tempo de procurar um doutor. Apesar de aconselhado por um médico da família, o não tão velho Antenor, sempre que tocavam no assunto, se esquivava com uma desculpinha qualquer.

Num sábado, que se perdeu no tempo, era noite alta, quando Antenor, ao ir ao banheiro, notou que a barriga estava inchada. Um abaulamento no andar inferior do abdome o alertou que alguma coisa não ia bem.

Passou horas a fio tentando urinar. Por mais força que fizesse se mostraram debaldes as tentativas. Por sorte, ou seria o destino, quis uma mão amiga ouvisse seus lamentos.

Foi quando foi levado a um hospital. Suava frio. E como doía a sua bexiga.

Duas horas se passaram quando, naquele pronto socorro, felizmente provido de recursos, apareceu um especialista em vias urinárias.

Em menos de um minuto, depois que lhe foi introduzida uma sonda até a bexiga, dali saiu nada mais de dois litros de urina clarinha. A sonda foi mantida até a decisão de qual seria o diagnóstico. Se uma patologia benigna, a tal de hipertrofia de próstata, ou um câncer na própria glândula, já bastante afetada pela doença.

Antenor não teve como recusar o tão temido exame retal. Fê-lo sem mostrar constrangimento.

O doutor, um urologista experiente, logo tratou de explicar, em palavras inteligíveis, que podia se tratar de um câncer na próstata. Para comprovar o diagnóstico deveria fazer uma biópsia.

O exame foi marcado para uma semana depois. O resultado saiu antes de quinze dias. Não deu outra. Era um câncer em estado avançado. O tumor estendeu-se além dos limites da próstata.

A cirurgia foi contraindicada.

Só restou ao infeliz Antenor submeter-se a castração. E viver o resto de vida usado aquela sonda enfiada a sua uretra. Além de todos os incômodos o não tão velho Antenor ainda tinha de fazer quimioterapia.

Três anos restaram de vida ao infeliz Antenor. Ele veio a falecer na véspera do carnaval. Seu corpo esquálido encheu-se de metástases.

Felizmente a morte veio. Numa noite de sábado para domingo.

Quando digo, aos meus pacientes, que se precavenham, não desejo alertá-los sem razão evidente.

Façam o tal exame. Antes que seja tarde.

A vida é tão bela. Viva-a em sua intensidade plena. Veja o dia que amanheceu no dia de hoje. E depois não diga que eu não avisei.

Deixe uma resposta