Eles mal tiveram tempo

Aos menos de sessenta anos, sempre envolto no trabalho pesado, Roberto, homem do campo, acostumado à lida dura da enxada, nunca teve tempo para pensar no descanso.

Acordava sempre ao nascer do dia. Seja no frio do inverno, na seca inclemente, durante a estação chuvosa, fosse no calor do verão, Roberto não tinha tempo a perder.

Na mocidade, já se foram tantos anos, como não teve oportunidade de estudar, só cursou os primeiros anos, as tarefas da roça o intimavam, cedo ainda, a ajudar o pai naquela ocupação que lhe tomava todos os dias.

Acordava ao cantar do galo.

Aos cinco anos já tinha por encargo apartar os bezerros, que famintos teimavam em sugar as tetas das mães. A tudo fazia sem reclamar. Antes da sete da manhã o menino Robertinho ia à escola.

Subia um morro agudo. Sempre de merendeira às costas. Ainda se lembra daquela escolinha rural que hoje se mudou pra cidade. Ali aprendeu as primeiras letras. Com uma professorinha por quem se apaixonou. Mas foi um amor impossível. Já que ela, mais velha, já era compromissada como um bom moço, de futuro promissor.

Roberto se fez jovem sempre envolvido com o trabalho rotineiro.

Ordenhar as vacas. Alimentá-las depois da ordenha. Roçar a pastaria antes que o período de chuva se avizinhasse. Ao fim da tarde, com o corpo exausto pelo trabalho pesado, mal tinha tempo de assistir à televisão, dado ao cansaço que o acometia.

Na manhã seguinte era a mesma ladainha. Aos sábados e domingos era a mesma escravidão.

Roberto um dia se casou. Com a dona Lucia tiveram quatro lindos filhos.

Mas, com o tempo passado, os filhos deixando de ser meninos, mais tarde todos eles se mudaram pra cidade. Naquela rocinha perdida nos cafundós do Judas a renda do leite não era suficiente para manter a todos vivendo às expensas do lucro que as vacas traziam.

Antes de completar cinquenta anos Roberto de dona Lucia se viram sós.

Depois vieram os netos. Com que alegria os avós recebiam aqueles pimpolhos nos finais de semana. Eram os melhores dias da vida dos avós.

Eis que os sessenta anos chegaram. Tanto para a esposa dedicada quanto para o marido Roberto.

A tão sonhada aposentadoria deveria estar perto. Afinal ambos contribuíram para a previdência por mais de trinta anos.

Mas, dado as novas regras da previdência social, mais e mais o sonho da aposentadoria se fazia mais distante. Agora as coisas mudaram.

Somado o tempo de contribuição, mais os anos vividos, a conta não batia.

Roberto completou sessenta anos naquele dois mil e dezenove. Segundo as novas leis a aposentadoria teria de ser adiada para alguns anos a mais. Recontando, mais cinco longos anos.

De repente Roberto caiu enfermo. Devido a uma crise de hipertensão, não sabida, o trabalhador rural se viu impossibitado de continuar na lida. Foi jogado ao leito. Foi-lhe diagnosticado um acidente vascular cerebral.

Assim passaram os anos. A roça teve de ser vendida. Passada adiante por uma quantia irrisória. Que mal dava para manter o casal na cidade.

Ainda longe da aposentadoria o casal tão querido se viu em grandes dificuldades.

Os filhos bem que tentavam ajudar. Mas eles também eram vitimas da crise que assolava o país.

Assim que completou sessenta e cinco anos, somado o tempo de contribuição ao INSS, afinal eis que é chegada a tão sonhada aposentadoria.

O casal recebeu a notícia num leito de hospital. Já bastante alquebrados. A doença, em fase terminal, já conseguira ceifar-lhes até o sorriso.

O casal já não tinha forças nem para sair do leito.

Ambos mal tiveram tempo de desfrutar o merecido descanso. A tão sonhada aposentadoria veio tarde demais.

Assim acontece, em nosso malsinado país, a tanta gente que envelhece, passa a vida inteira imersa no trabalho constante, e, na hora de se aposentar não tem tempo, nem saúde, para gozar a alegria de um dia ver a vida passar, sem se preocupar em ser feliz, e nada mais.

Deixe uma resposta