Mais um dia de tormenta na vida daquele pobre rapaz

Como tem chovido naquela cidade grande.

Tudo está alagado. Desde cedo ao anoitecer.

Antonino, rapaz esperto, trabalhador, se preparava para deixar o pequeno apartamento, onde morava de favor, era mais ou menos cinco horas da manhã, quando abriu a janela. Lá fora caía uma tempestade. Mal se podia ver a serra devido à bruma que empanava a visão.

Pelo noticiário da televisão algumas mortes haviam acontecido. Pessoas que moravam em áreas de risco perderam a vida debaixo de um monte de entulhos. Suas casinhas pobres foram soterradas durante a madrugada. Ali só restaram saudades daquelas pessoas que infelizmente não tiveram a sorte de habitarem em lugares seguros.

Antonino, mesmo sabendo do risco que corria, deixou o pequeno apartamento depois de um café requentado. Ele precisava trabalhar. Afinal era o primeiro emprego que conseguiu depois de longa espera. Passou três longos anos peregrinando de porta em porta, em busca de uma ocupação.

Como não tinha formação profissional especializada, só pôde estudar até o segundo grau, o jovem rapaz se sujeitaria a qualquer coisa. Para ele todo trabalho era digno. Foi o que lhe ensinou o pai, falecido na semana passada.

Por sorte Antonino conseguiu, depois de dura procura, um trabalho numa padaria no centro da cidade. Para chegar até lá deveria pegar cerca de três conduções. Era uma distância de fazer inveja a mais de duas maratonas. Para economizar a passagem da lotação Antonino resolveu comprar uma bicicleta de segunda mão. E mesmo assim pediu prazo no pagamento. O que dispunha era suficiente para dar a entrada. O resto o vendedor deixou para assim que Antonino recebesse o primeiro salário.

Naquela manhã chuvosa, esperançoso de se dar bem no primeiro emprego, Antonino deixou o apartamento em meio a uma aguaceira danada. Não se via nenhum sinal do sol. Ele por certo ainda dormia. Em meio aquelas nuvens cinzentas.

Quando se viu na rua, antes das seis da manhã, o pobre Antonino passou a imaginar quantas dificuldades teria de enfrentar. O trânsito estava parado. Uma longa fila de automóveis impedia qualquer chance de ir adiante. A rua tinha se transformado num verdadeiro rio. Junto ao meio fio um turbilhão de água insalubre arrastava tudo que tinha pela frente.

Mesmo assim o valente rapaz seguiu em frente. A sua bicicletinha tinha de fazer verdadeiros malabarismos para não atolar naquela enxurrada lamacenta. Durante mais de duas longas horas, enfrentando aquela tempestade, Antonino, afinal, conseguiu chegar à padaria. Mas tudo estava alagado. O pobre proprietário, imerso num lodaçal de problemas, com água pela cintura, tentava fazer de tudo para salvar a sua loja afundada naquela enchente sem precedentes.

Antonino arregaçou as mangas. Na intenção de ajudar ao patrão. Ficaram os dois quase meio dia para retirar toda água de dentro da padaria. Mas dentro dela só restaram sujeira, lama até o teto, os pães boiando na enchente. Foi perda total.

O pobre dono do estabelecimento não teve outra alternativa senão fechar a padaria. E mais uma vez o infeliz Antonino acabou perdendo o primeiro emprego. Mesmo tentando ajudar, dando o melhor de si, o pobre rapaz voltou a casa com a bicletinha avariada, sem perspectivas de retornar ao primeiro trabalho que havia conquistado a duras penas.

No dia seguinte continuou a tempestade. Antonino se viu impossibitado de sair de casa. O que fazer? Pensava ele. O dinheiro que guardava, numa gaveta do armário, estava no final. Não lhe restava senão mais ou menos cinquenta reais.

Mais uma vez Antonino saiu em busca de emprego. Desta vez a chuva serenou. O sol abriu o sorriso amarelo. Tudo brilhava ao derredor.

Ao final do dia, depois de exaustiva procura, mais uma vez Antonino nada conseguiu. Passou uma semana inteira. Um mês se foi.

Antonino, desesperancoso de conseguir emprego, de repente viu um anúncio, num jornal, que precisavam de um motoboy para fazer entregas num restaurante perto de onde morava. Afinal a sorte lhe bafejava.

Entrou numa autoescola. A moto não seria problema. Pois um primo torto dispunha de uma seminova. Que por certo a ele emprestaria, naquele momento de dificuldades.

E pouco mais de um mês conseguiu ser habilitado para dirigir motocicletas. A carteira de trabalho afinal foi assinada. Desta vez não haveriam problemas. Foi o que sonhou o esperançoso Antonino.

No primeiro dia de trabalho Antonino foi requisitado a fazer uma entrega do outro lado da cidade. Era um trajeto de mais ou menos cinquenta quilômetros. Que em tempos normais duraria não menos de alguns minutos.

De novo o céu tintou-se em cinza. Caiu uma aguaceira igualzinha àquela quando foi inundada a padaria. No meio do caminho a moto dirigida por Antonino acabou tolhida pela tempestade. Não foi possível chegar ao endereço. A mercadoria foi por água abaixo.

Não precisa dizer que mais uma vez o rapaz perdeu o emprego. Teve de devolver a moto ao primo.

Antonino voltou a pequeno apartamento pensando na vida. Para onde ir?

Acordou, no dia seguinte, e tomou uma súbita decisão. Foi-se embora para Pasárgada. Ali, em seu país de coração, por não ser amigo do rei, não teve a chance que tanto esperava. Acabou sendo feliz para onde foi. Teve a mulher que desejava. Na cama que escolheu. Aqui eu não sou feliz. Lá a existência é uma aventura. A mesma desventura que tenho encontrado por aqui.

Dizem, no que acredito, que desde quando Antonino se mudou pra Pasárgada, nunca mais quis voltar. Tomara o mesmo não aconteça a outros, que não encontram seu caminho, do lado de cá do oceano.

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