Bom dia alegria!

Nem sempre a gente acorda com uma sensação inédita de entusiasmo como aconteceu no dia de hoje. Era por volta das cinco da manhã. O céu se mostrava claro. O dia amanheceu fresco. Era outono. As chuvas pareciam descansar. Algumas nuvens se viam no alto. Mas eram nuvens brancas. Quase tapavam a boca do sol.

Seu Alegria, personagem assaz conhecido por aquelas bandas, como de costume acordou ao cantar do galo. Com a mesma disposição costumeira.

Tomou um banho morno. Na intenção de afastar o resto de sono. Escovou a banguelice evidente. Apenas dois dentes, na parte da frente, se mostravam sorridentes naquela manhã de abril.

Assim que deixou a casa, naquela rocinha esquecida no fim do caminho, o primeiro que cumprimentou foi o velho galo carijó. Era ele seu despertador. E o galo velho o saudou com a mesma cantoria de sempre: “cocoricocó”.

A seguir, como era ainda cedo, as vacas ainda não haviam chegado ao curral, estavam enfiadas em meio à cerração densa, mal se podiam vê-las, Seu Alegria foi alimentar a porcada grunhenta, com um sonoro “bom dia”. Até os canarinhos da terra, que ciscavam o esterco do curral, cantaram sonoramente outro bom dia, em saudação ao senhor Alegria, que contaminava a todos com seu bom humor costumeiro.

O sol enfim desfilou sua alegria mais tarde, naquele dia alegre.

Foi quando o Seu Alegria, de olhos fechados, orou pela Ave Maria, sua santa protetora, na qual depositava toda a sua fé.

Aquele senhor alegre, que sorria sempre mesmo ao sabor das adversidades, era pra mim um exemplo de sabedoria. No esplendor da sua idade avançada, Seu Alegria contava com mais de oitenta anos, de muitas lutas vencidas, jamais sonhou em se aposentar. O trabalho para ele era sinônimo de saúde. Mãos caludas, tez tostada de sol, rugas e mais rugas passarinhavam-lhe a face, o corpo esguio, levemente curvado sobre a coluna, mesmo com todas estas qualidades Seu Alegria não desdenhava da enxada. Era um enxadachim de primeira.

Desde criança Seu Alegria, cujo nome verdadeiro era Benedito, assim que deixou a escola, para ajudar ao pai nas lidas da roça, nunca renegou serviço. Acostumado ao trabalho pesado nunca o vi reclamando de cansaço.

Por absoluta falta de tempo Seu Alegria não se casou. Aos cinquenta anos se tornou um solteirão convicto. Segundo ele a solidão não o incomodava. Os bichos mansos da roça eram o que não lhe faltava para ser feliz.

Pelas vacas tinha o melhor apreço. Dialogava com as galinhas naquela linguagem ininteligível. Com os porcos grunhia. Com as maritacas grasnava.

O tempo passava na vida do Seu Alegria. Os cinquenta anos se transformaram em muitos mais. Daí aos oitenta foi um pulo de seriema pernalta.

Foi quando o conheci. A minha rocinha faz divisas com a dele. Num dia de sol, quando fui procurar uma rês extraviada, que poderia ter passado ao pasto dele, encontrei Seu Alegria imerso em seu trabalho pesado. Com a cacunda recurvada naquele banquinho tosco, a ordenhar as vacas, esperei alguns minutos antes de indagar se ele sabia se por acaso a minha vaca havia se bandeado pro lado de lá.

Ele, sem olhar em minha direção, respondeu num muxoxo: “não sei não. Pode ser que sim como pode ser que não”. “Procure entre as minhas vacas. A sua por acaso é mocha”? “Ela é roxinha? Ou pintada de preto e branco?”

Como não tinha pressa esperei mais alguns minutos. Seu Alegria passava todo o tempo cantarolando. Rindo a bochechas abertas. Como se aquilo de ordenhar as vacas fosse a coisa mais saborosa deste mundo.

Como já era tarde, e eu precisava voltar a cidade, despedi-me do Seu Alegria contaminado pela alegria dele. Confesso que naquele dia estava com a avó atrás do toco. Enfezado com alguma coisa indefinida.

Assim que deixei a roça do Seu Alegria, sem encontrar a minha vaca, pus-me a sorrir.

Em verdade descobri. Nada como dar bom dia à alegria. O mau humor contamina. Como não custa nada sorrir passei a sorrir de novo. Podem dizer que fiquei louco. Mas em verdade se trata de uma insanidade agradável. Experimentem sorrir. Não é que muda a vida da gente?

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