O cara de semana santa

Zé Tristeza nunca esboçou um sorriso na face. De mal com a vida, sempre aborrecido, era tido pelos vizinhos como uma pessoa da qual se deve fugir do abraço.

Aliás, como é bom enlaçar os amigos, estreitá-los naquele amplexo forte, desejar-lhes bom dia, mesmo que seja numa manhã cinzenta como a de hoje.

A segunda-feira amanheceu chuviscosa. Uma chuvinha miúda parece que vai continuar o dia inteiro. Não se percebe o azul do céu. Nem mesmo a cara sorridente do sol.

Zé Tristeza como sempre acordou de mau humor. Vivia solitário naquela casinha pequenina. Num lugarejo esquecido por todos. Quando alguém aparecia por aquelas bandas com certeza seria por um logro ou desvio de rota.

E era saudado com “volte no dia de São Nunca”. Para bom entendedor seria o mesmo que nunca mais voltar.

Naquele meio de abril o nosso personagem fazia aniversário. Eram exatos sessenta anos. No entanto parecia muito mais.

Zé Tristeza, apelido herdado desde quando foi à escola, pela primeira vez, quem passasse os olhos pela sua cara fechada bem sabia a razão do apelido, era o exemplo vivo de quem não aprecia o contato com qualquer tipo de gente. Fosse ela alegre ou extrovertida. Amável no trato ou de bem com a vida.

E assim passaram-se os anos. Zé Tristeza nunca se casou. Aliás, um dia se amasiou. Mas a pobre rapariga dele se afastou no primeiro ano. E era uma moça boa, quase sem defeitos, a infeliz Julieta.

Aos quase sessenta anos Zé Tristeza decidiu mudar de vida. Tentou colorir o seu sorriso. Mas pouco tempo durou esta saudável mudança de comportamento. Logo voltou ao que era. Mal humorado, carrancudo, tristonho e arredio.

Dado a este motivo todos se afastaram do infeliz Zé Tristeza. Um vizinho de cerca bem que tentou. Mas, no dia quando foi fazer uma visita de cortesia ao Zé, assim que bateu à porta, foi recebido com enorme desfaçatez. E nunca mais voltou a casinha do Zé.

Eis que chegou a Semana Santa. Era dia quinze de abril quando o fato aconteceu.

Na pequena localidade era comum os moradores acompanharem a procissão.

Naquele domingo de ramos todos, nos seus melhores trajes, iam em fila atrás da imagem de um santo protetor.

Apenas Zé Tristeza permaneceu em casa. Como de costume lastimando a vida. Renegando o fato de estar vivo. Mesmo tendo quase tudo que poucas pessoas conseguiam.

Naquela segunda, segundo dia da semana santa, choveu a dar goteira em casa de telhado novo. Zé permaneceu em casa. Afastado de todos e do mundo.

A semana santa acabou do mesmo jeito que começou. O período da quaresma se estenderia por alguns dias mais.

No entanto, para o infeliz Zé Tristeza, tanto faz, quando tanto fez. Chovia fora de sua casa. Chovia dentro de sua alma.

Enfurnado dentro de casa Zé Tristeza assistia, pela televisão, todas as tragédias que aconteciam país afora. Para ele o mundo podia acabar naquela hora. Pois do jeito que vivia não era vida o que ele vivia.

Foi na sexta-feira santa que aconteceu o imprevisível desenlace.

A procissão do enterro já ia longe quando Zé decidiu sair de casa.

Contrariado o infeliz pôs a cara de fora da residência. Foi quando foi atropelado por um ônibus desgovernado.

Naquela sexta-feira santa, junto à procissão do enterro, foram sepultados os restos mortais do Zé Tristeza. Ninguém sentiu-lhe a ausência. Já que era uma presença não grata por aquelas bandas.

Foi quando passei por aquela pequena comunidade rural. Ali celebravam o sábado de aleluia.

Numa fotografia em preto e branco, afixada a um poste, percebi, de olhos incrédulos, a figura do Zé Tristeza. Era a cara da semana santa. Triste, penitente, tentando fazer chorar a gente.

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