“Nada como um dia depois do outro”

A vida seria insuportável não fossem as mudanças. A rotina massacra. Fazer a cada dia tudo sempre igual faz a vida perder as cores. Inclusive os sabores.

Daí a minha compulsão de mudar de roupa. Trocar o lado da cama onde se dorme. Pouco. Acordar ora com o pé esquerdo às vezes com o direito. Não olhar a cara do espelho antes de lavar o rosto. Ao abrir a janela tome cuidado para não admirar a paisagem com olhares de cansaço. Deixe o mesmo na cama. Afinal para que foram feitas as noites senão para o descanso? Cada dia deve ser encarado como um novo dia. Dias há que o sol brilha. Outros que amanhecem cinzentos.

Essa era a maneira de encarar a vida de um rapaz sempre esperançoso de dias melhores.

Antonino acordava sempre bem disposto. Logo cedo abria a janela. Passava uma ducha fria na face. Molhava o que restava dos cabelos sempre desalinhados. Escovava os dentes sempre precisando de cuidados do dentista. E saía do pequeno apartamento a procura de emprego.

A vida não estava sendo fácil para aquele rapaz esforçado. Ele deixou a roça onde vivia com os pais na esperança de encontrar na cidade melhores oportunidades de trabalho.

Mas não foi de braços abertos que a cidade o recebeu. Assim que chegou a rodoviária, trazendo todos os pertences numa mochila gasta, alguém, vindo do nada, acabou por afanar tudo que Antonino trazia. E ele ficou sem os documentos. Sem a importância que trazia para passar alguns dias. Tudo aquilo para ele representava muito. Afinal eram mais de dois mil reais.

Mesmo assim Antonino, refeito do susto, não desanimou. Passou na rua os primeiros dias até conseguir uma moradia que lhe desse pouso. Prometeu, a dona da pensão modesta, assim que recebesse o primeiro salário quitaria todas as dívidas. Promessa para ele era coisa séria. Não tinha o costume, de onde veio, de faltar ao combinado.

Mas, passados os primeiros dias, Antonino constatou que não seria fácil conseguir trabalho. A crise se mostrava em cada esquina. Lojas vazias comprovavam o quadro lastimável por que passava o país desde que o novo governo assumiu as rédeas. Soltas desde o desgoverno passado.

Na segunda semana, desde quando chegou à cidade, a cada manhã que saía às ruas encontrava portas fechadas. Como não tinha formação profissional, só completou o segundo grau, quando algum emprego aparecia logo era preterido em troca de outro mais habilitado.

No entanto o persistente rapaz trazia  consigo uma premissa que trazia escrita num papel amarrotado: “ nada como um dia depois do outro”.

E assim esperava, pacienciosamente, o dia quando se daria bem na vida.

Um mês se passou. O máximo que Antonino conseguiu foi fazer uns bicos como carpidor de lote baldio. Como era bom enxadachim conseguiu juntar alguns trocados. Pagou a dona da pensão depois de passado um mês inteiro.

Mas logo acabou o dinheiro. E mais uma vez o pobre infeliz acabou se vendo em dificuldades.

Mesmo assim Antonino perseverava na esperança de conseguir emprego. Acordava cedo. Inda madrugada. Ia de loja em loja. Pedia para falar com o encarregado. Na maioria das vezes o tal não o recebia.

Até que numa quinta-feira, do mês de abril, parecia que afinal Antonino havia encontrado seu lugar ao sol. E como chovia naquele dia escuro. O sol estava longe de mostrar a cara iluminada.

Quando o moço chegou a uma padaria, onde estava afixado um cartaz onde se lia: “ há vagas para ajudante de padaria. Não precisa de experiência. Passe depois das dez da manhã”.

Antonino chegou ao estabelecimento certo que afinal iria conseguir emprego. Era a concretização de seu sonho.

Mas, quando foi recebido pelo dono, um sujeito mal encarado, português oriundo da ilha da Madeira, qual não lhe foi a surpresa ao saber que a vaga havia sido preenchida.

Mais uma vez o infeliz postulante ao emprego se viu no olho da amargura. Sem dinheiro, foi despejado da pensão por falta de pagamento, Antonino acabou dormindo ao relento. Mais um sem teto engrossando a fila dos desempregados.

Sem perspectivas de encontrar trabalho o pobre rapaz resolveu voltar à roça. Nada como um dia depois do outro. Pensava ele.

Assim que chegou a morada dos pais teve mais uma decepção enorme. Tudo estava abandonado. Entregue ao desmazelo. Por um vizinho de pasto descobriu que os pais haviam partido. Fazia exatamente um mês que ninguém passava naquele lugar ermo e solitário.

Antonino, como não havia alternativa, arregaçou as mangas, e começou tudo de novo.

Remodelou a velha casa. Deu vida nova ao curral. E fez aquilo tudo brilhar como dantes.

“ Nada como um dia depois do outro”. Esta sempre foi a sua máxima.

Passaram-se dois meses. Um ano inteiro se foi.

Quando pensava que tudo iria dar certo, que afinal havia encontrado seu caminho, numa manhã de outono apareceram, na porteira, uma turba de sujeitos suspeitos. Era uma delegação dos Sem Terra. Que traziam nas mãos bandeiras vermelhas, cujas iniciais exibiam duas letras: PT.

A partir de então o pobre dono da terra teve de se mudar novamente. Nem recorrendo às autoridades conseguiu propriedade  de volta.

“Nada como um dia depois do outro”. Mas na vida de muita gente não é isso que acontece. Sobejamente num país como  nosso. Sujeito a desmandos de toda a sorte. Aqui, em se plantando tudo dá. Inclusive a corrupção.

 

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