O dia em que a vaca foi pro brejo

Tudo ia mal na vida daquele homem trabalhador, que vivia atolado até o pescoço, sempre envolvido na lida diária, numa rocinha prejuizenta, situada nas lonjuras da cidade.

João Sem Sorte era o exemplo perfeito do que acontece à maioria dos produtores rurais.

Gente de mãos calejadas. Faces crispadas pela inclemência do sol. Via de regra aparentando mais idade do que em verdade possuem.

João nasceu na roça. Filho de pais fazendeiros. Que um dia perderam tudo graças aos juros escorchantes cobrados pelo banco perdulário.

Só lhe restou uma gleba de terras. Um sitiozinho perdido nos arrabaldes de onde Judas perdeu as botinas.

Mesmo assim, acostumado àquela vidinha singela, caso um dia alguém lhe fizesse um convite para se mudar pra cidade, João, do alto dos seus mais de cinquenta anos, por certo diria: “tá louco? Seria como cavar minha sepultura”.

João Sem Sorte, alcunha que lhe foi batizada desde a juventude, com certeza por motivo injusto, não foi feliz no primeiro casamento.

Acontece que uma rapariga, que por ali passou num dia de ventania, acabou fugindo com o motorista do caminhão leiteiro, que dizia sempre ser amigo do João.

A falta de mulher não era sentida pelo solitário homem da roça. Diziam, nos arrabaldes, que em verdade por quem João caía de amores era uma égua pintada.  Que não regateava a monta. Sempre que João, de cabresto em punho, aparecia naquele matinho que fazia às vezes de matel.

João vivia da renda do leite. Que ora subia de preço ora dava um prejuízo danado.

Antes da cinco da manhã, fizesse frio ou calor, chovesse ou brilhasse o sol, lá ia o João em busca de suas vacas.

Quando a seca esturricava os pastos as ruminantes esperavam pacienciosamente na beira do curral. Pois bem sabiam que depois da ordenha as esperava um cocho cheio de silagem de milho misturado à cana picada na hora.

Mas naquele ano ingrato pouco choveu. O verão foi quente e abafado. Faltou chuva na hora exata de plantar. Dai a bancarrota da roça de milho, que pendoou antes da época de colher.

O mês de novembro, quando tudo deveria estar verdinho, ao revés a pastaria parecia da cor de palha amanhecida. As vacas famintas berravam na porteira do curral.

Joao picava qualquer coisa verde que aparecia. Mas não era suficiente para aplacar a fome das pobres vacas de costelas à mostra.

O leite minguou. A bezerrada, nascida dias antes, quase todos acabaram virando pasto aos urubus.

João passava a noite em claro. Mesmo sendo a noite escura.

Um mês se passou. O pobre João devia ao banco uma soma considerável.

Quando foi negociar com o gerente o que devia foi impedido pelo segurança da casa bancária por usar um pino na perna direita devido a um acidente antigo. A roleta travou. A confusão se estabeleceu.

João foi agredido como se fosse um bandido. Passou dias e noites internado num hospital. Foi bem tratado. Mas dali recebeu alta mancando ainda mais.

Quando conseguiu voltar à roça mais uma decepção o recebeu de braços abertos.

As queridas vacas não mais estavam por lá. Foram roubadas. Até hoje não se sabe quais foram os culpados pelo assalto.

João perdeu tudo que tinha. O banco acabou executando a hipoteca da propriedade.

Uma vez naquela situação calamitosa, sem ter a quem recorrer, o infeliz João Sem Sorte teve de voltar à cidade.

Foi quando encontrei o amigo João dormindo debaixo de um viaduto. Parecia um reles mendigo.

Durante o nosso breve colóquio escutei do angustiado João parte de sua história.

Desejei-lhe boa sorte. Mas dele ouvi, antes de partir, esta explanação que até hoje guardo na memória: “olha doutor. O senhor nem queira saber tudo que passei. Agora só me restam as lembranças boas. Daquela rocinha que tanto amava. E que a fatalidade me levou”.

Dali parti já com saudades do amigo João. Até hoje lhe ignoro o destino.

E quantos casos iguais são noticiados nos jornais. Quando a vaca vai pro brejo o dono vai atrás.

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