Apagar das luzes do velho Chico Bento

Aquele senhor simpático, de sorriso sempre pronto a cumprimentar os demais, vivia para e pelo trabalho.

Acordava ao nascer do sol. Logo saía às ruas. O relógio de cabeceira, um velho cuco herdado do pai, assinalava antes das cinco horas da manhã.

Chico era metalúrgico numa fábrica de auto peças.

Colecionava, naquele ano de dois mil e dezenove, mais de trinta anos de bons serviços prestados. Nunca havia chegado atrasado. Pontual, operário modelo, sempre pronto a ensinar aos novatos o oficio, era elogiado pelos patrões.

Aos quase setenta de anos de vida pensava em se aposentar. Mas, devido às novas regras de aposentadoria teria de postergar seu sonho. Não tinha o tempo necessário, nem as contribuições ao INSS, para se permitir viver sem ter de acordar cedo, tomar as três lotações que o levariam ao serviço, naquela rotina enfadonha que sempre viveu.

Chico, em seus mais de trinta anos de trabalho duro, conseguiu juntar algumas economias. Vivia solitário numa casinha própria. Ele não se casou. Não por falta de oportunidades. Já que algumas mulheres passaram-lhe pela vida. Mas por nenhuma delas se apaixonou.

Uma vez chegado aos setenta anos, ainda pleno de saúde e disposição, numa segunda-feira, dia do qual vai se lembrar para sempre, um acidente veio a acontecer durante a sua jornada de trabalho.

Chico Bento teve sua mão prensada numa prensa hidráulica. Teve toda ela amputada. Passou dois meses num hospital. A operação em pouco tempo mostrou sinais de infecção. Daí Chico teve de se submeter à nova cirurgia. Todo o seu braço direito foi alijado do seu corpo ainda cheio de vida.

Recebeu alta ainda pior. Uma vez em casa teve de retornar ao hospital. Uma infecção generalizada acometeu seu corpo já sem forças para se levantar do leito.

Que sofrimento aguardava o velho Chico. Já que não tinha família ou alguém que pudesse atenuar-lhe o conflito.

Dois meses se passaram desde então. Chico, pensando na vida que havia levado, naquele trabalhar continuado, enfim, depois de completos setenta anos, afinal chegaria, com certeza, o dia que poderia se aposentar de vez.

Foi à agência do INSS. Esperou horas a fio numa fila enorme. A perícia havia sido marcada para aquele dia.

Até que um médico, que deveria estar de mal com a vida, não lhe atestou a incapacidade evidente. Chico, bastante debilitado, sem o membro superior direito, mais parecia um ancião a espera da morte.

Mais uma vez o sonho de se aposentar foi adiado. Chico, desconsolado, sem renda, passou a viver isolado naquela casinha modesta de periferia.

Trabalhar não podia. Fazer o quê? Nem sabia.

Mais dois meses se passaram. Chico, cada vez mais enfermo, passou a viver dependente da boa vontade de um vizinho chegado.

Era ele quem preparava as refeições do velho Chico. A única renda que a ele acolhia era o tal seguro desemprego. Mas nem de longe supria as mínimas necessidades. Era uma soma irrisória. Apenas um salário mínimo.

Chico Bento chegou aos oitenta ainda pior. Diabético, hipertenso, o que recebia mal dava para os medicamentos.

Por fim Chico foi aposentado. Uma carta da previdência chegou, numa sexta-feira do mês de maio. Fazia frio. Chico, jogado ao leito, nada mais lhe restava senão esperar a morte. E ela veio. De repente.

Foi o mesmo vizinho que encontrou o velho Chico de olhos fechados.

Enfim ele foi aposentado. Definitivamente. A morte foi para ele o descanso que não teve em vida.

 

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