“Dentro da minha solidão me sinto feliz”

Zé Sozinho sempre dizia: “antes só do que mal acompanhado”.

Também pudera.

Quando vivia uma cidade grande passava o tempo todo numa fábrica, apinhada de gente por todos os lados. Mal tinha tempo para pensar noutra coisa a não ser no trabalho.

Chegava antes da cinco da manhã. Depois de acordar antes das quatro devido à distância que tinha de percorrer naqueles ônibus desconfortáveis.

Nascido na roça Zé dali teve de se mudar pensando ir mais longe. Quando morava naquela rocinha perdida no meio do nada vivia pensando na vida. Era empregado rural. Um retireiro de respeito. Sozinho tirava a força dos dedos mais de quatrocentos litros de leite frio.

Aos vinte anos resolveu se casar. Mas quem disse que a sua esposa ficou mais de um ano inteiro vivendo numa casinha tosca? Em alguns meses Margarida, mulher de certa formosura, escafedeu-se da vida do Zé com o motorista do caminhão leiteiro. A partir de então o infeliz nunca mais soube noticias da tal mulher. Por sorte não tiveram filhos.

E Zé continuou sozinho. Vivendo naquela vida difícil, acordando cedo, dormindo ao cantar do galo, sempre envolto com aquele trabalho ao qual comparo a uma verdadeira escravidão.

Aos quase trinta resolveu mudar de vida. Pegou carona com um amigo. Que o levou a capital do seu estado. Ali passou fome. Morou na rua da amargura. Sentiu frio. Acordava molhado quando chovia durante a noite.

Por sorte do Zé, quando já se sentia desesperado, apareceu aquele emprego numa fábrica de autopeças.

Agarrou-se com unhas e dentes aquele trabalho. Era operário modelo. Não perdia um só dia. Vivia pelos cantos. Sem se comunicar com os colegas. Na hora do descanso ficava numa salinha reservada. Era este o seu costume.

Zé era introspectivo e solitário. Não apreciava qualquer tipo de prosa. Por este motivo não tinha amigos.

Quando completou cinco anos naquela fábrica, ganhando o suficiente para sobreviver, morava de aluguel, recebeu uma notícia que o colocou em sobressalto. Seria demitido. Junto dele mais cinquenta operários. O gerente alegava contensão nos gastos. Uma crise sem precedentes acontecia no país inteiro.

Zé foi posto no olho da rua. Sem ter onde morar. Passou a viver do seguro desemprego.

Durante cinco anos Zé passou a morar numa pensão modesta. De onde foi mais uma vez despedido por falta de pagamento. Vivia sempre solitário. Diziam que ele conversava com as paredes.

Uma vez sem emprego, sem renda nenhuma, Zé voltou à roça de onde veio.

Ali chegou numa sexta-feira treze de junho. Fazia frio. Uma névoa densa cobria tudo ao derredor.

Deixou seus pertences na porteira do curral. E foi a casa sede para tentar voltar à antiga função.

Por sorte dele o patrão ainda não havia conseguido outro retireiro para aquela vaga deixada desde quando Zé partiu rumo à cidade grande.

Zé foi novamente admitido. E como ele se sentiu feliz entre suas vacas queridas.  Que apenas ruminavam e não conversavam durante a ordenha.

Passaram-se anos. Zé envelhecia a olheiras vistas. Aos quase sessenta parecia muito mais. Foi então que adoeceu.

Como não tinha mais forças para aquele trabalho pesado foi mais uma vez substituído por gente mais nova. Zé foi aposentado por tempo de serviço. E passou toda a velhice em companhia dele mesmo.

Foi quando fui fazer uma visita ao pobre Zé Sozinho. Encontrei-o na varanda daquela casinha tosca. Perdida nos fundos da casa sede da fazenda. Balançando numa rede preguiçosa.

“E ai? Amigo. Como se sente agora”?

“Quer mesmo saber? Agora sou completamente feliz. Dentro da minha solidão nada me falta”.

Deixei aquele lugar isolado pensando com meus senões. Não é que o Zé tinha razão?

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