Na solidão do seu canto

Antonino, menino esperto, vivia isolado dos demais.

Quem passasse os olhos naquele menino pensaria logo que ele seria uma criança especial.

Não se dava com os colegas. Na escola era marginalizado. Talvez por sua aparência incomum.

Antonino exibia um par de orelhas de abano, um nariz adunco, uma testa ancha, e um corpo franzino que destoava da sua idade.

Até que era um bom aluno. Aplicado em ciências exatas. Não tirava notas baixas em português. Na quinta série do primeiro grau foi aprovado com louvor.

Só que um pequeno detalhe faltava para completar os estudos. O menino esperto morava numa rocinha longe da cidade. Era com esforço sobre-humano que não perdia um dia de aula.

Acordava cedo. Ele mesmo fazia o café da manhã. Os pais já estavam no curral a ordenhar as vacas. Inúmeras tarefas esperavam os progenitores do decorrer do dia.

Antes das seis Antonino já estava no ponto da condução que o levaria a escola. Caminhava por alguns quilômetros na solidão da madrugada. Sempre só. Com seus pensamentos que avoavam pra longe. Aquele menino estudioso pensava seguir a carreira de médico. Pretensão quase impossível. Em se considerando a situação de pobreza da família do menino.

Mesmo assim Antonino perseverava. Chegou aos quinze anos ainda firme na sua pretensão.

Como fazer para conseguir seu objetivo? Cada vez mais distante da sua meta de jovem sonhador.

Foi numa segunda-feira, mês de junho, como fazia frio, que o garoto resolveu se mudar pra cidade. Ali uma tia por parte da mãe prometeu acolher o jovem Antonino.

E ele se mudou levando os parcos pertences. Despediu-se dos pais com olhos lacrimejantes.

Uma vez na cidade matriculou-se numa escola do Estado. Ela tinha bom conceito.

No entanto, no primeiro dia de aula, o jovem Antonino teve a primeira decepção.

Os colegas, que só faziam arruaças, desrespeitavam os professores, nada queriam com o estudo. Antonino se mantinha afastado daquela turba de baderneiros.

Daí o isolamento em que se mantinha.

Graças ao seu esforço e capacidade Antonino venceu as dificuldades. Graduou-se no ensino médio com notas altas.

Foi aprovado no ENEM para uma faculdade de ensino gratuito. Felizmente tudo dava certo para o esforçado Antonino.

Mesmo ali, entre colegas de boas famílias, gente endinheirada, Antonino não se misturava aos colegas. Passava todo o tempo em seu canto. Grudado nos ensinamentos dos professores.

Seis anos se passaram num piscar de olhos.

Antonino se fez doutor. Graduou-se com louvor. Sempre no seu canto. Afastado dos demais.

Aos trinta anos o jovem médico decidiu ir para o interior.

Não tinha amigos. Os pacientes atendidos comentavam, entre si, como o doutor tratava bem seus pacientes. E por este motivo a admiração crescia entre todos.

Aos quase quarenta anos doutor Antonino continuava vivendo solitário. Não quis se casar. Apesar de ter namorado uma dúzia de moças casadeiras.

Aos quase cinquenta Antonino continuava a sua lida costumeira. Ia de casa ao hospital. Do posto de saúde ao ambulatório onde atendia pontualmente a todos que o procuravam. Ganhava o suficiente para viver confortavelmente. Não tinha luxos. Nem mesmo um automóvel fazia parte da sua vida espartana.

Aos quase sessenta anos doutor Antonino continuava solitário. Vivendo e convivendo com ele mesmo.

Aos setenta adoeceu. Caiu na cama. De onde nunca mais se levantou.

Foi quando o encontrei. Isolado a um canto. De olhos fechados. Entregue a uma enfermidade incapacitante. Dias depois soube da morte do doutor Antonino.

Ele morreu isolado a um canto. Solitário como sempre viveu.

Deixe uma resposta