“É o caruncho que devora minhalma”

Zé Tristeza acordou com a mesma insatisfação de ontem.

Nada o fazia alegrar.

Vivia pelos cantos. Aspecto cansado. Sem indícios nenhum de que a coisa iria melhorar.

Zé era dono de um pedaço de terra. Uma rocinha que havia herdado do pai. Vivia solitário. Um verdadeiro ermitão. Sozinho cuidava de uma dezena de vacas. Pelas quais tinha verdadeira adoração.

Aos quase cinquenta anos de idade só ia à cidade uma vez ao mês. Mesmo assim de lá voltava em menos de uma hora. Já que as tarefas da roça a ele consumiam como o fogo devora a pastaria. E Zé voltava de carona no velho caminhão leiteiro. Cujo motorista era o único amigo que lhe restava. Já que os outros, poucos que tinha, quase não apareciam na sua vivenda. Onde morava na própria companhia.

Zé acordava ao nascer do sol. Dormia menos de três horas. Lá pelas quatro da madrugada ligava a televisão. Aquela telinha só mostrava notícias ruins.

Antes das cinco já estava no curral. As vacas sempre famintas mugiam a sua espera. Tirava leite assentado a um banquinho meio cambeta. Menos de cinquenta litros eram tirados daquelas tetas de onde pingava um leite quentinho.

Era quase inverno. O outono se despedia.

Zé Tristeza quase sucumbia a sua rotina. Todos os dias era a mesma coisa. Acordar ao cantar do galo. Tomar um café requentado. Ordenhar as vacas. Alimentá-las com o capim picado junto à silagem de milho.

A renda do leite era insuficiente para que Zé Tristeza se mantivesse na sua rocinha prejuizenta. De vez em quando fazia um negocinho. Vendia algumas galinhas em final de postura. Uma vaca ou outra eram negociadas para o açougue.

Zé vivia daquele jeito atravessado. Sempre com o sorriso sonegado. Entregue a própria desventura.

De vez em nunca aparecia algum vizinho. Mas pouco durava a visita curta.

Zé, aos sessenta anos, completos naquele ano de dois mil e dezenove, véspera de um dia santificado, era dezenove de junho, resolveu pôr fim a vida.

Que vida era aquela? Zé não tinha motivos para continuar a viver.

Foi quando o encontrei desconsolado. Não sei se por sorte dele, ou da minha, resolvi fazer uma visitinha ao desafortunado Zé.

Bati a porta de sua casa. Zé não estava ali.

Procurei-o nos arrabaldes. Fui ao curral. Ao chiqueiro. E nada de encontrar o Zé Tristeza.

Quando já estava desistindo de encontrá-lo me veio às ideias dar uma passadinha nos fundos da casa.

Quando dei de olhos numa moita de bananeira qual não foi o meu espanto quando vi o infeliz Zé dependurado pelo pescoço. Numa árvore de aroeira. Ele já balouçava de um lado pro outro. Com o aspecto acinzentado. Semimorto. Poder-se-ia dizer.

Numa fração de segundos tive a sorte de livrar o Zé da morte certa. Ele caiu a terra. Desacordado, lívido, apático.

Assim que Zé acordou, numa mistura de apatia e desassossego, perguntei ao Zé qual a razão da sua infelicidade.

Ele me respondeu, num piscar de olhos inexpressivos: “é o caruncho que me devora a alma. Não tenho mais razão de viver”.

Antes de me despedir do Zé Tristeza repensei a vida que tenho levado. Por vezes ela é dura para algumas pessoas. No meu caso ela tem sido leve demais.

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