Colcha de retalhos

Lá se vão anos que os jovens de antão usavam confeccionar colchas usando retalhos de tecidos que sobravam das roupas. Eram peças caprichosamente feitas pelas nossas avós. Exibindo muitas cores. Que não apenas recobriam os leitos como ajudavam a agasalhar do frio que fazia no inverno.

Antes fazia mais frio. Agora o frio do inverno não mais é tão intenso como nos dias de outrora.

Hoje mesmo faz sol. Ao sair de casa, a hora costumeira, a temperatura oscilava entre dezenove e vinte graus.

Mais tarde deve esquentar. Algumas nuvens mal conseguem tapar a boca do sol. Ele adentra pela minha janela, devagarzinho. Agora mantenho as folhas das persianas levantadas. Logo mais tenho de abaixá-las.

O dia se mostra claro. Nenhuma cerração como em outros dias de outono. De hoje a poucos dias entra o mês de julho. Férias escolares. Tempo de folguedos para os jovens meninos. Há tempos deixei de ser menino.

Um dia destes passou pelo meu consultório um paciente já bem andado em anos.

Seu nome era Joaquim.

Vindo da roça, aparência sofrida, Seu Joaquim veio a mim na intenção de fazer o tal exame da próstata. Não por sofrer da urina. Mas, como afirmou o consultante, na sua família era comum parentes perto morrerem de câncer na próstata. E ele, alertado pela televisão, gostaria de se prevenir.

Seu Joaquim assentou-se a cadeira defronte a minha. Veio desacompanhado.

Aquele homem da roça, tez curtida pelo sol, mãos cascudas, hábitos singelos, começou por desfilar um cadinho da sua vida.

Ele contava, naquela ocasião, com setenta e oito anos de vida. Mas parecia mais.

Acostumado ao trabalho pesado aquele senhor era um rosário de queixumes.

Começamos a entrevista pelas doenças que até então lhe haviam consumido quase toda a saúde.

Aos vinte anos foi operado de apendicite. Quase morreu na hora da operação. Aos trinta um acidente quase lhe ceifou a vida. Foi salvo por um vizinho que na hora exata o levou ao hospital.

Mais tarde, aos quarenta anos, Seu Joaquim sofreu mais uma intervenção cirúrgica. Teve a vesícula extraída. Que dores sofreu no pós-operatório imediato.

Aos cinquenta, quando já estava cansado de tantas operações, mais uma veio a engordar o seu currículo. Foi quando sofreu uma dor no peito. Foi levado semimorto a um hospital. Salvou-o outra operação. Teve seu peito rasgado ao meio. Seu coração quase parou de pulsar.

Mais tarde, ao completar sessenta anos, quando se preparava para dormir, sentiu uma súbita dor no abdome. Uma pedra no canal da urina entupiu o ureter, e teve de ser extraída por um corte enorme. Que até hoje pode ser visto na região lombar.

Quando levei o paciente à mesa, na intenção de examiná-lo, percebi uma porção de cicatrizes.

Elas ainda eram visíveis de alto a baixo. Tanto no andar superior. Passando pelo abdome. Assim como na região lombar.

Seu Joaquim, segundo ele mesmo disse, era uma verdadeira colcha de retalhos. Cada cicatriz com uma história para contar.

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