Manhã de inverno

Do lado de fora da janela a temperatura oscilava entre dois e três graus acima de zero. Durante a madrugada ela deve ter descido mais.

Salpicos de neve se podiam ver cobrindo a pastaria enregelada. O sol brilhava tímido. Um amarelo ouro tentava encobrir o azul do céu.

Era mês de julho em seu começo. Precisamente dia oito.

Zezinho acordou antes das cinco. Era sua hora costumeira.

Retireiro por profissão, por gosto, elezinho, aos menos de treze anos, já se acostumara a acordar cedo. Desde menino ajudava ao pai nas tarefas da roça. Pena que um dia, alguns anos se vão, anos, o pai veio a faltar. Morreu depois de sentir uma fisgada no peito. Seu Sebastião ainda era jovem. Veio a se despedir da vida antes dos cinquenta anos. Foi vítima de um infarto fulminante. Deixando ao desabrigo a família. Zezinho era o filho mais velho. Além dele constavam mais três crianças nascidas naquela propriedade longe de tudo e de todos. Perdida na imensidão do mundo.

Em menos de três anos desde a morte do pai o pequeno Zé tomou ao seu encargo a incumbência de tratar de todos. A mãe, pobre mulher, mal tinha forças para se levantar. Ela sofria de uma doença rara. Mais tarde diagnosticada de ELA. A                 qual, em poucos anos, a levou a fazer companhia ao marido no céu.

A partir da morte da mãe o valente Zezinho passou a trabalhar noutra propriedade. Já que ele sozinho, jovenzinho ainda, não dava conta de cuidar de tudo. Deixou os irmãos sob a tutela de uma tia solteirona. De vez em quando fazia uma visitinha rápida aos irmãos. Mas logo voltava ao trabalho. Responsável trabalhador. Empregado numa grande fazenda. Que produzia mais de dez mil litros de leite frio. Uma agro indústria de fama internacional.

Naquela manhã, ainda madrugada, sob uma temperatura hostil, Zezinho acordou, lavou o rosto na água fria, tomou um café sobra do dia de ontem, com ele uma broa de milho, e foi a sala de ordenha.

Lá já o esperavam duas centenas de vacas baldeiras. O sol brilhava sob uma luz tênue. O frio enregelava a ponta do nariz.

Antes das sete da manhã Zezinho já tinha realizado as primeiras tarefas do dia. Ainda restava a maioria. Alimentar as vacas. Limpar o curral. E ainda por cima tratar da porcada faminta que grunhia ali pertinho.

Mesmo com tanto trabalho Zezinho era feliz e bem o sabia. Caso perdesse o emprego não sei o que seria dele.

A lida na roça era tudo que o bom moço sempre apreciou. Também, nascido e criado na roça, desde a tenra idade, onde tinha o umbigo enterrado, tentar encaminhá-lo em outra profissão seria a sua desdita.

Zezinho completou vinte e cinco anos naquela manhã de inverno. Não teve festa. Nem mesmo um bolinho para comemorar a data natalícia. Creio que nem mesmo os irmãos se lembravam de que Zezinho existia. Já que moravam na cidade. E lá, noutra realidade, mal sabiam que a vida na cidade depende do que é produzido no campo.

Naquela manhã de inverno, naquela temperatura de menos de zero graus, o aniversariante acordou antes da hora costumeira. Uma estranha sensação bateu-lhe fundo no peito. Lembrou-se da família. Do pai ausente. Da mãe enferma. E dos três irmãos. Os quais nunca mais viu. Desde quando os deixou sob a guarda de uma tia solteirona.

Foi a sala de ordenha pensando na vida. E que vida era aquela? Apenas trabalho. Sem tempo para pensar em si mesmo. Em constituir a própria família. Nem mesmo tempo para namorar Zezinho tinha. E, quase aos trinta anos, o que seria dele num futuro perto?

Só trabalho.

Naquela madrugada fria Zezinho acordou com um estranho pressentimento. Sonhou um sonho colorido. Que estava num lugar colorido de azul. Pertinho dele o sol brilhava. Que lugar lindo Zezinho estava. Lá as vacas não berravam. Nem ao menos estrumavam.

Ainda sonolento, mal acreditando no que seus olhos viam, Zezinho acordou junto às estrelas. Uma lua enorme apareceu juntinho dele. Em verdade Zezinho acordou no céu. Veio a falecer durante a noite.

O relógio marcava antes das cinco da manhã. Zezinho despertou sem ter dormido. Aquele foi apenas um sonho. Naquela madrugada fria. Em pleno inverno de sua vida.

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