Naquela manhã fria, ao tomar assento no banco daquele ônibus, ao meu lado assentou-se um rapaz.
Era bem jovem ainda. O ônibus estava lotado. Pessoas viajavam em pé, dependuradas naqueles cabides, quais roupas estendidas no varal.
Durante todo o trajeto o rapaz, sempre de olhos fixos no celular, não me lançou um par de olhos. Digitava febrilmente alguma mensagem a um interlocutor que só ele conhecia. Seus dedos finos tremiam. Suas mãos não se aquietavam por um segundo sequer.
Durou menos de meia hora o nosso trajeto. Enfim chegamos ao ponto final da linha.
Descemos pela mesma porta traseira. Ele e eu íamos ao mesmo lugar. Uma unidade de saúde pública situada na zona norte da cidade. Eu era o médico. E ele meu paciente.
Caminhamos juntos durante alguns minutos. O jovem ainda permanecia de olhos grudados no celular.
Ao chegarmos ao tal centro de saúde nos apartamos. Subi por uma rampa reservada aos médicos andarilhos. E ele por outro caminho que levava ao mesmo lugar.
O primeiro paciente do dia foi um senhor se queixando da urina. Depois de examiná-lo prescrevi um medicamento para amenizar-lhe o desconforto.
A seguir adentrou o segundo. Foi uma consulta de rotina para saber como ia a saúde da sua próstata aumentada de volume, porém com poucos sintomas.
E assim entravam uns, esperavam outros. A derradeira consulta foi a do rapaz que me fez companhia durante a curta viagem naquele ônibus lotado. Ele, a princípio encabulado, após descobrir que seria eu seu médico, educadamente confiou-me os seus problemas. Seu nome era Joaquim.
Joaquim contava, naquele dia, era uma quinta-feira, quase meados de julho, com apenas dezesseis anos de idade. No entando parecia mais jovem ainda.
Durou mais ou menos meia hora a nossa consulta. Foi quase impossível fazê-lo se abrir. Tal a vergonha que se podia antever em seus queixumes.
Ele falou pouco. Balbuciou algumas palavrinhas. Pelo que pude entender seu problema era inerente ao sexo. O jovem Joaquim, durante a nossa entrevista, deixou-me entender que sua preferência sexual era pelos de mesmo sexo. E isso lhe causava um enorme constrangimento.
Na escola evitava o contato com as meninas. Apesar de elas de vez em quando lançarem olhares cobiçosos em direção a sua presença atraente.
No entanto Joaquim em verdade preferia os homens. Há cerca de dois anos descobriu ser homo afetivo.
E este fato era a razão de sua infelicidade. Em casa não se abria com os pais. Tinha vergonha de se declarar gay.
Passamos quase uma hora a falar da vida. Dei-lhe conselhos. Alertei-o sobre a incidência alta das doenças sexualmente transmissíveis. Que ele deveria usar camisinha em suas relações sexuais.
Despedimo-nos como velhos amigos. Ele se foi agradecendo-me a paciência no atendimento. E que iria seguir as minhas recomendações de médico especialista em Dsts.
Ao deixar aquela unidade de saúde, como sempre faço, caminhei até o ponto de ônibus, pensando na vida.
Existem pessoas que acumulam desventuras. Elas se tornam infelizes. E nosso papel é tentar compartilhar com elas as suas desventuras. Para torná-las mais leves. Se possível for.