Saudade dele

Logo a entrada do meu consultório pode-se ver um grande mural.

Trata-se de um quadro onde estão inseridas fotografias antigas. Pessoas de saudosas recordações ali estão. Meus pais, meus avós, tios queridos.

A maior parte destas figuras enfeitam galerias no céu.

Num destes retratos, assentados lado a lado, perfilam quatro irmãos. Dois já subiram ao céu.

Minha saudosa mãe e ele. Sobre quem, durante a noite curta do dia de ontem, lembrei-me com saudades imensas.

Hoje o dia se mostra nublado. Poder-se-ia dizer triste. Falta-me o sol. Tomara no decorrer do dia a chuva caia. O ar está ressequido. Minhas narinas ressentem-se da falta de umidade. Meus olhos lacrimejam. Mas não se trata de saudade. E nem da ausência sentida daquelas pessoas lindas que o passado me faz lembrar.

Ainda me lembro dele quando o mesmo me visitava na linda Boa Esperança de antão. Era meu tio por parte de mãe.

Tio Rubio ainda desfila pelas ruas da nossa cidade. Felizmente vendendo saúde e disposição. Tia Cida da mesma maneira ainda nos faz companhia.

Por vezes o encontro na academia. Ele faz de conta que se exercita. No entanto permanece quase o tempo todo olhando as lindas mocinhas que por lá desfilam.

Ainda me lembro dele em seus inflamados discursos. Era um notável causídico. Orador aplaudido durante as defesas que fazia no tribunal do júri. Via de regra conseguia livrar da cadeia os seus clientes. E nem sempre recebia o pago devido.

Meu querido tio, hoje ausente, morava numa casa abaixo onde viveram meus pais. Hoje a casa está vazia. A espera talvez da demolição. Ou de uma reforma que a adeque a outra clínica.

Ele foi meu primeiro revisor. Ainda me lembro de quando passava por sua casa. E ele rabiscava meus textos, inserindo neles rabiscos com opiniões muitas vezes acertadas. E citações de autores reconhecidos.

Naquele clube, aonde sempre vou ao cair das tardes, era comum vê-lo deixar a sauna envolto apenas numa toalhinha minúscula. Antes de adentrar a sua casa uma vez a tal toalha foi ao chão. Não fui testemunha deste momento inusitado. Dizem que meu querido tio ficou desnudo. Mas não perdeu a fleuma. Entrou porta adentro como se nada houvesse acontecido.

Quantas vezes o recebi aqui aonde escrevo. Ele foi o autor de um dos prefácios de um livro meu. Neste escrito ele diz: “suas crônicas não têm, por base, a utopia e visão estrábica dos fatos. Elas retratam o cotidiano, arrimando-se e mesclando, ao mesmo tempo, o lado social, ora o drama, vez por outra a comédia e o pitoresco, não esquecendo nunca, também, o lado político e social, este no sentido exato da palavra”. E terminou: “lamento, porém, que o autor, em uma das suas crônicas, sempre vestida daquele estilo claro e realista, que esta obra que tenho a honra de prefaciar será seu canto de cisne na literatura. Verdadeiramente um desperdício e uma falta de respeito para com os amantes da literatura, ele atirar ao lixo toda a sua inspiração e competência. Ele, que ao invés de mim, que tenho anos e anos de vida passados, e pouca vida pela frente, tem um longo e promissor futuro, não deveria, jamais, aposentar os enredos que traduzem suas belas e deliciosas crônicas.”

Este meu tio se foi há tempos atrás. Ainda me lembro de quando o assisti em seu leito de morte.

Foi dura a sua despedida. Uma insidiosa enfermidade o levou para tristeza de nossa família.

Tio Chico se foi. Deixando atrás dela uma lacuna impreenchível.

Nesta noite, mal dormida, meados de julho, acordei movido por uma saudade imensa dele. Pena que não mais possa ouvir seus sábios conselhos.

Da mesma maneira que choram de saudade dele seus filhos, netos e descendentes diretos.

Tio Francisco Rodarte. Você faz falta. E por isso mesmo inspira saudade.

 

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