Até hoje não sei

Quantas indefinições ainda me passam pela vida. Desde quando nasci até os dias de hoje.

Sei que nasci naquele distante dois mil novecentos e quarenta e nove. Na linda Boa Esperança de antão.

Completo, ao final do ano, precisamente no dia sete de dezembro, setenta anos de vida. Quantos anos passaram desde então.

Sei quem foram meus pais. Nasci pela intercessão de duas pessoas maravilhosas. Paulo José de Abreu e Rute Rodarte de Abreu.

Ela professora. Que pouco tempo exerceu a profissão. Ele bancário de formação. Naqueles idos anos trabalhava em Boa Esperança. Foi lá que vim ao mundo. Um dia fui àquela rua. Depois de homem feito. Ainda me lembro com que saudade descobri onde nasci. Nos fundos daquela casa, à Rua Coqueiral 155, existia um pé de camélia rosa. Segundo me disseram os filhos da senhora nomeada dona Didi. A mesma que alugava o velho sobrado aos meus pais. E ele ainda existe. No mesmo lugar onde passei alguns anos da minha infância. E aos cinco anos vim ter a esta cidade. De onde pouco arredei pé. A não ser para completar a minha formação profissional na capital da minha linda Minas Gerais.

Daqui do alto, de onde escrevo, vislumbro parte do meu passado. Aquela rua, por onde sempre passo, ao cair das tardes, a Costa Pereira, de tantas lembranças ternas, me olha como se fosse pedir: “por favor, não deixe de passar por aqui”.

Hoje o sol brilha forte. Com sua enorme luminosidade me ofusca os olhos. Tenho de deixar as folhas das persianas cerradas. Na parte da tarde permito que elas se levantem. Pois o mesmo sol já se mudou de ares. E o azul do céu não incomoda tanto quanto o brilho do sol.

Até hoje constato como o tempo passa. Como as horas passarinham. Como a vida percorre o tempo com seu ritmo frenético.

Antes tinha alguns dias apenas. Num átimo cresci. Não tanto em polegadas. Como os números atestam quantos dias já vivi.

Até hoje não sei quanto tempo mais viverei. Quantos dias mais estarei a observar o entorno de onde estou.

Até agora sinto uma vontade imensa de viver a vida como ela é. Linda, fria nas manhãs de inverno. Fresca nos dias de outono. Calorosa quando o verão chega.

Até no presente momento só tenho a agradecer a Deus a graça de estar vivo. A vida tem sido generosa para comigo.

Até quando? Nem sequer imagino. Posso estar enganado quando digo que a felicidade mora nos pequenos atos.

Noutro dia, quando descia a rua, e vi dormindo ao relento um desabrigado, era mais ou menos cinco da manhã, este mesmo pedinte, de mãos estendidas, implorava por um auxílio. Dei-lhe uma moeda das maiores que tinha no bolso. E ele me agradeceu com olhos rasos d´agua. Aquela pequena oferenda me fez feliz. Até quando poderei estender a mão aqueles que imploram um cadinho da nossa generosidade. Até no presente momento não sei.

Até na presente data não sei por que razão alguns vivem a margem da felicidade. Alguns têm tudo. Já outros nada têm.

Até agora ignoro por que razão a alegria é compartilhada por algumas famílias. Já outras vivem na mais absurda miséria. Quando isso não deveria acontecer.

De tanto ver as disparidades do mundo, de tanto constatar as desigualdades que nos rodeiam, passei a descrer de tantas coisas. O porquê dos porqueres por vezes me angustia. Daí as minhas incertezas.

Até agora não entendo a razão de tantas coisas. De sermos ao mesmo tempo ricos e pobres de espirito.

Até hoje não me sinto a vontade vivendo cercado de tantas desigualdades. Melhor seria se todos fossemos do mesmo jeito felizes. Irmanados, abraçados, uns aos outros.

Podem dizer que estou ficando velho. Que a razão tem me abandonado.

No entanto, para quebrar meu encanto, até hoje não sei o quanto estarei aqui para viver a vida como ela deveria ser. Mas não é.

 

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