Nunca me senti tão só

Tião Desafortunado acordou, naquela manhã de inverno, tomado de súbita angústia.

Na roça onde vivia tudo estava à mercê da solidão.

Do lado de fora da casa nada se via a não ser a imensidão vazia. Nem mesmo um cão ladrava como de costume. As galinhas, ainda empoleiradas, dormiam tranquilas. A vacada ainda não havia chegado ao curral.

Tião vivia solitário. Desde jovem pensava que ele se bastava.

Não se casou por falta de opção. Também, naquelas paragens distantes, quem por ali passasse logo retrocederia os passos. E voltava pelo mesmo caminho. Ninguém, em sã consciência, se atreveria a viver naquele lugar ermo. Perdido na imensidão do mundo.

Tião era um homem solitário. Tido como eremita. Por aqueles que o conheciam.

Desde menino não ia à escola. Não se sentia a vontade cercado de crianças felizes. Ele era feliz ao seu modo. Diziam, nos arrabaldes, que o menino Tião tinha alguma coisa diferente das demais crianças.  Vivia pelos cantos. Sem esboçar nenhum sorriso. Perdido na imensidão de uma mudez inexpressiva.

Assim cresceu o menino Tião. Os pais, separados desde há muitos anos, não se davam com a infeliz criança. Diziam que a mãe, uma senhora sempre perdida em seus devaneios, dizia não ter tempo de cuidar do filho. Que vivia jogado a um canto. Apartado do mundo. Como se ele não existisse para as demais pessoas.

Tiãozinho cresceu convivendo com a solidão. Por isso se mudou, assim que completou quinze anos, para aquela roça perdida entre o nada e o fim do mundo.

Ali se sentia feliz. Ao seu modo.

Vivia entre os animais. Amava o bucolismo do campo. Não visitava os vizinhos. Que, da mesma maneira evitavam o contato com o Tião Desafortunado.

Ao atingir a idade dos sessenta anos de repente Tião adoeceu. Era só ele e ninguém mais.

Caiu enfermo numa cama. Não tendo quem cuidasse de sua pessoa solitária passou anos sem a companhia de ninguém.

Até os setenta anos manteve-se à deriva da sociedade. Vivendo solitário. Naquele lugar afastado de tudo e de todos.

Aos oitenta anos não tinha forças nem para se levantar. Tião vivia entregue a sua própria sorte.

Foi numa segunda-feira que encontrei o velho Tião.

Chamaram-me para atendê-lo numa consulta. Ali cheguei às cinco horas de uma tarde fria.

Tião, recostado a um travesseiro, mal me cumprimentou.

Balbuciou algumas palavras ininteligíveis. Dentre elas consegui entender: “doutor, nunca me senti tão só”.

Fui eu quem fechou os olhos do desafortunado Tião. Ele morreu sem ter vivido. Ninguém merece tamanha solidão.

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