Desapego

Vida afora sempre pensei em acumular bens. Tinha ganas de trabalhar.

Quando aqui cheguei, vindo de terras d´além-mar, só pensava em ganhar dinheiro. Era um argentário por vocação.

Ia e voltava de um hospital a outro. Operava de manhã ao cair da tarde. Não tinha quase noites de sono. Talvez seja este o motivo de até hoje dormir tão pouco.

Desdobrava-me entre dois ou três empregos. Perdia noites em plantões exaustivos. Afinal aquele jovem esculápio estava em início de carreira. E precisava, segundo a vida me ensinou, amealhar fortuna. Mal sabia eu que a maior fortuna que se adquire é a saúde que mais tarde pode nos abandonar.

Construí um patrimônio razoável. A maior parte dele se deve a herança de meu saudoso pai.

Daqui se avista uma casa imensa. Foi a primeira que edifiquei. Ali morei feliz os primeiros anos que aqui passei.

A seguir, depois dos quarenta anos, se tanto mais, ou menos, passei a domesticar a ansiedade. Deixei os plantões para os de menos idade. E continuei nos dois empregos que me ajudam a prover a velhice que me olha com olhos de pura nostalgia.

Antes era jovem e ambicioso. Agora, nesta altura da minha idade, aprendi não apenas a domar a ansiedade, deixei de abraçar o mundo entre minhas pernas e braços, tentando me desapegar de tanto trabalho.

Desapeguei-me das ambições de quando jovem. Hoje me sinto a vontade com o que conquistei. Não mais perco noites de sono pensando no que fazer o dia seguinte. Aprazo-me em ser feliz com o que me tornei.

Desde quando comecei a escrever transformações importantes tomaram conta do meu eu.

Hoje aprendi a escutar. Desapeguei-me em palpitar antes de ouvir.

Nos tempos de agora não penso mais tanto em mim. Deixo estas mesmas preocupações a quem me suceder.

Desde quando vi nascerem meus netos mudei meu afeto. A eles dedico um amor diferente. Junto deles consigo rejuvenescer.

Desapeguei-me das ambições passadas. Sou feliz com o que me tornei.

Aprendi, com o passar dos anos, que a vida só tem sentido se fazemos felizes a quem nos acompanha. Desapeguei-me das conquistas materiais. Apego-me agora com o conceito que fazem de mim.

Despeguei-me de edificar mais castelos de sonhos. Não mais coleciono tijolos. E sim me contento em conquistar amigos ou simpatizantes.

Apenas não consigo me desapegar do passado. Ele me corteja sempre. Ao olhar para aquela rua, de tantas lembranças ternas, penso no que passou. Nas pessoas que não mais estão aqui.

Consegui me desapegar de tantas coisas. Espero, no tempo que me resta, que consiga me desapegar da saudade. Não daquela saudade infinita. Dos meus entes queridos.  E sim daquela saudade doída que de vez em quando desabrocha dentro de mim.

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