Aquela foi a última vez que o vi

São passados incontáveis verões.

Foi numa manhã de sexta-feira. Por volta das cinco e meia da manhã.

Seu Manoel, assim que cheguei ao meu consultório, dei de cara com ele.

Ele estava assentado numa poltrona do lado de fora da minha sala de exames.

Perguntei ao mesmo quem ele estava esperando. Se por acaso estava de consulta marcada com algum médico do meu andar.

Seu Manoel, timidamente, respondeu-me com aquele jeitinho de gente da roça, entre dentes: “por acauso o senhor trabalha aqui”?

“Sim senhor”. E continuei a indagação: “qual tipo de médico o senhor deseja se consultar”?

“É com aquele que faz o tal exame de próstata. Um exame o qual deveria ter feito a alguns anos atrás. E infelizmente não o fiz”.

Apresentei-me como sendo o tal médico. No entanto minha secretária só deveria chegar a partir das oito da manhã.

Ele agradeceu-me a gentileza. E, continuando sua prosa boa disse que daria uma voltinha pela cidade e voltaria depois.

Pontualmente as oito Seu Manoel retornou. A pontual Zaninha já estava prontinha a receber os pacientes daquela linda manhã de primavera. Lá fora o sol brilhava. Nenhures sinal de chuva a despencar.

Seu Manoel estava desacompanhado. Nenhum aparentado lhe fazia companhia.

Depois de fazer a ficha, pelo computador, aquele senhor, que naquela época contava com quase oitenta anos de vida, começou a desfilar seu rosário de queixumes.

Começamos a entrevista sem que fosse preciso retirar dele seus queixumes.

“Doutor, acordo durante a noite mais de dez vezes. Não consigo dormir a contento. Deixo um urinol debaixo da cama para não ter de ir ao banheiro. E ele amanhece transbordando pelas beiradas”.

“E quanto ao jato? Ele é forte ou apenas goteja molhando-lhe a cueca”?

“Que jato que nada!” Asseverou o consultante. “Trata-se de uma xiringuinha sem força nenhuma. Que dói como pimenta ardida. Quando vai aos olhos”.

A consulta durou mais que uma hora. Levei-o a sala de exame. Constatei, ao toque, que sua próstata mostrava-se dura. Cheia de nódulos suspeitos.

Seu Manoel despediu-se de mim prometendo trazer o resultado de sua biópsia assim que ela ficasse pronta.

O mesmo não aconteceu como esperado.

Um ano se passou. E nada de notícias de Seu Manoel.

Por outro paciente, oriundo da mesma localidade rurícola de onde vinha o seu Manoel, foi que me inteirei de notícias dele.

O pobre havia falecido na última primavera. Vitima de metástases de um câncer de próstata em estado terminal.

Foi quando me lembrei daquela visita inesperada. Seu Manoel, aquela pessoinha boa, que me procurou naquela manhã bem cedo, deve estar fazendo companhia aos anjos.

Naquela manhã de sexta-feira, antes das cinco e meia, foi a derradeira vez que o vi.

Mas foi o bastante para deixar aqui meu alerta. Novembro é o mês de fazer a tal prevenção do câncer na próstata.

Não deixe para depois o que deve ser feito hoje.

 

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