Pra ele já é tarde

Acordei antes das seis da manhã. Como de sempre.

O sol ainda não se mostrava na linha do horizonte. O céu estava escuro. Poucas nuvens se viam no alto.

Creio ter chovido durante a noite. Não percebi, dentro do meu sono pesado, gotas de chuva tamborilarem na minha janela.

Apenas ao sair de casa vi a rua molhada. Era bem cedo. Antes das seis da manhã.

Poucas pessoas se viam nas ruas. É uma sexta-feira. Mais um final de semana que se anuncia.

Janeiro está quase em sua metade. Logo estaremos em fevereiro. Já carnaval.

Quando penso que acordo cedo logo me vem aos pensamentos um amigo da roça.

O bom Betão nesta hora quase madrugada já acordou faz tempo. Já tomou seu café requentado na trempe do fogão a lenha cujas brasas ainda crepitam. Já espantou o sono graças ao banho morno.

Nesta hora que muitos consideram cedo ele já está no curral. Apartando a bezerrada faminta que berra de fome com saudades das mães.

Pra ele o dia tem começo mais cedo que na cidade. Afinal as vacas não esperam a hora passar.

Todas já estão alvoroçadas mugindo famintas.  De olho não apenas nas crias como naqueles cochos cheinhos de trato. Nos quais irão se fartar depois da ordenha da manhã.

A labuta na roça não termina nunca. Depois das vacas soltas no pasto começa o trabalho de limpeza do curral. Juntar o esterco curtido faz parte da rotina rural. Esperar o caminhão leiteiro descer a ladeira para levar a produção de dois dias é outra incumbência do amigo Betão.

E a roça de milho? Tá na hora de transformá-la em silagem. Armazená-la naqueles buracões profundos. Esperando o milho azedar.

Já passa das onze horas. Na roça se come cedo. Sem direito a um soninho bom depois do almoço. Pois as horas passam ligeiras. Logo mais, antes das três e meia, a vacada na está a espera da segunda ordenha.

Quando chove em demasia o trabalho não para. Chuva é sinal de fartura mesmo que o barro incomode. Dizem que vaca não gosta de barro. Muito menos de moscas beliscando-lhes o couro duro.

Antes das seis da tarde parece que o trabalho cessou. Ledo engano.

Aquela novilha espevitada desapareceu dos olhos do dono. Onde estaria ela?

Foi uma procura que durou horas inteiras. A danada estava amoitada num matinho escondendo a cria nascida naquela noite.

Enfim a noite chegou. Na roça ela chega mais cedo.

O tempo passa mais vagaroso.

Antes das oito, com os olhos sonolentos, o amigo Betão já não da conta de assistir a televisão.

Recostado naquele sofá fecha os olhos. E dorme até o despertar da manhã.

Agora já são quase sete horas. Pra muitos é tarde. Pra ele o dia já começou faz tempo.

Pra mim, homem urbano, com o coração enterrado na roça, também já é tarde.

Um novo dia já é um recomeço.

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