Pra ele nem sempre é carnaval

Como choveu durante a noite.

A terra amanheceu molhada. Tudo estava alagado.

Era ainda bem cedo quando Zé da Foice despertou. Como de sempre isso acontecia.

A rotina parecia enfadonha. Fazer tudo sempre igual fazia parte dos dias daquele homem bom, trabalhador, que vivia solitário num lugar ermo e distante.

Zé vivia para o trabalho. Mãos caludas, tez tostada pelo sol, cabelos em desalinho, quem passasse os olhos no Zé a ele dava mais anos que em verdade tinha.

Em verdade Zé fazia aniversário naquele mês de fevereiro. Pelas contas, no dia vinte e um, véspera de carnaval, contaria exatos cinquenta anos. Entretanto  pareciam mais.

Não haveria festa naquele dia. Nem ao menos um bolinho qualquer. Comemorações não faziam parte da rotina daquele senhor. Pois, tempo não lhe sobrava.

Desde as cinco da manhã ao cair da noite Zé se entregava de corpo e alma ao trabalho duro.

Mal tinha tempo para pensar em si mesmo.

Naquela manhã, quase madrugada, Zé acordou bem disposto. Feliz da vida por ter saúde. E mais feliz ainda por viver naquele lugar privilegiado. Distante de tudo e de todos. Amava a solidão. E desgostava da azáfama das cidades. Era a vida na roça que apreciava. O mugido das vacas e o cheiro de curral ao qual estava acostumado desde a tenra infância a ele faziam enorme bem.

Era véspera de carnaval. No sábado seguinte começavam as festas de Momo.

Pela televisão Zé acompanhava tudo de longe. Pra ele tanto faz, tanto fez, o que importava era a companhia dos seus bichos de estimação. Amava as vacas e as galinhas. Pelos cavalos nutria uma grande admiração.

Naquela sexta-feira, dia do seu aniversário, Zé acordou com um estranho pressentimento. Sonhou com uma chuva que em verdade caiu. E saiu de casa alegre e festivo. Não por causa do carnaval. E sim por ser assim. E nada mais.

Antes das sete já estava com as vacas alimentadas.  O tanque de expansão já estava cheio pelas beiradas. E o caminhão leiteiro passaria em breve. A fim de levar a produção de dois dias inteiros.

A roça de milho fora cortada na semana passada. Enormes silos estavam cheios pelas bocas.

Aquele ano seria de fartura. Não faltaria trato para as vacas.

O sorriso do Zé se mostrava aos quatro cantos da sua roça. Ele estava feliz como nunca esteve antes.

Na cidade a folia se mostrava nas ruas e avenidas. Uma multidão seguia o compasso das marchinhas de carnaval.

No entanto, para o Zé da Foice, aquela festa nada representava. Para ele o que importava era a solidão da roça e seus amigos ruminantes.

Nem sempre é carnaval para quem vive na roça. Ali quase nunca se tem tempo para o lazer.

O trabalho é diuturno. A lida é continuada. Festas, para aquela gente obreira, é coisa para se ver na televisão.

Findou-se o carnaval. Terminou a folia.

Mas para a gente da roça a vida sempre segue igual. Faça chuva o esquente o sol. Para eles é a mesma coisa.

A vida na roça segue sua rotina de sempre. Para aquela gente, a qual admiro cada vez mais, nem sempre é carnaval.

Deixe uma resposta