Quanto riso…Quanta tristeza…

Até parece heresia. Ao mesmo tempo comparar alegria com tristeza.

Mas ambas fazem parte de nossas vidas. No mesmo instante em que sorrimos podemos, em contrapartida, derramar lágrimas copiosamente, neste mundo por vezes tão díspare onde vivemos.

Era sexta-feira de carnaval.

Amanheceu um dia nublado. Chovera durante a noite. E o céu, neste exato momento, ainda se mostra escuro.

Tudo indica que a chuva deve continuar. E como tem chovido neste inicio de ano.

Cidades sofrem durante as tempestades. De repente tudo se alaga. Deixando famílias ao desabrigo.

Ontem mesmo choveu um bom bocado.

Na roça do amigo Pedro durante a noite caiu uma chuvarada danada.

Como de sempre ele acorda cedo. Carnaval para ele não passa de um período qualquer.

Vacas, galinhas, maritacas, nem de longe percebem que nas cidades é tempo de carnaval.

A rotina no campo requer muito empenho. Ali se trabalha muito. Por vezes mais que o necessário.

Pedro, acostumado àquela labuta constante, desde tenra idade, ali nascido, e onde tem o umbigo enterrado, não troca a rocinha herdada dos pais por nenhuma cobertura da cidade.

Ali é feliz e bem o sabe.

Um dia, em visita ao amigo Pedro, na despedida lancei a ele uma proposta: “quer vir comigo? Mudar de vida? Ofereço a você um emprego muito mais lucrativo. Pode trabalhar na mesma empresa onde trabalho. E você pode se aposentar em pouco tempo. Já que tem idade para isso”.

Logo ele me respondeu: “quer saber? Nem de longe penso nisso. Aqui sou feliz. E vou passar o resto da minha vida entre os bichos que tanto amo”.

Deixei, naquela tarde chuvosa, pensando em suas verdades. Na cidade podemos ganhar muito mais. E quem disse que a felicidade se compra com notas graúdas. Ou uma dinheirama enorme. Para ele, ser feliz é viver na singeleza do singelo. Sentir na pele, ao acordar, a brisa fresca das madrugadas. O cheiro de orvalho doce. O perfume do alecrim florido. Misturado ao odor adocicado do esterco de curral.

Durante a semana inteira continuou a chuvarada. O céu nunca se mostrou azul. Apenas e tão somente um cinza plúmbeo se deixava ver.

Era segunda de carnaval. A chuva persistia sem dar tréguas.

Para Pedro a luta continuava. Acordava ao cantar do galo. Logo ia ao curral.

Ordenhava duas dúzias de vacas baldeiras. E logo enchia os cochos de uma silagem de milho misturada a cana picada.

Pedro quase não tinha tempo para nada.  Mesmo assim era feliz. E bem o sabia.

Na cidade a festa de momo não dava sinais de trégua. Multidões festejavam o carnaval.

Uma bebedeira tomava conta dos foliões. Muitos deles baixavam aos hospitais.

Pedro, sem saber que a festança rolava, continuava na sua lida constante.

Naquela manhã de uma terça-feira, quase findo o carnaval, do céu caiu uma aguaceira jamais vista.

Tudo, ao derredor, alagou-se de repente.

A água cobria tudo. Pedro acordou com água pelo pescoço.

Quase não teve tempo de sair de casa. Salvou-se da enchente boiando na enxurrada.

O carnaval terminou. A água abaixou.

Na roça do Pedro só restaram escombros. Tudo foi levado pela enchente.

Aquele carnaval que passou não deixou boas lembranças.

Enquanto na cidade se podiam perceber sorrisos nas recordações do velho Pedro só restaram tristezas.

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