Revendo parte do que passou

O carnaval se transformou em cinzas. Pouco restou da folia.

Nesta quarta-feira o sol brilha forte. Parece que a chuva vai dar tréguas. Também pudera!

Nunca vi tantas águas rolarem. Tantas pessoas naufragarem nas enchentes. Tantas vidas ceifadas. Principalmente aquelas menos afortunadas. Que vivem dependuradas nos barrancos. Naqueles barracos de zinco. Construções feitas onde não deveriam. Improvisadas moradias. Por não terem pra onde ir vivem ali. Esperando um dia a vida melhorar. Quiçá?

Ontem foi um dia de faxina no meu consultório. Revirei meus guardados. Desentulhei estantes inteiras. E, numa delas, deparei-me com meu boletim. O qual atestava minhas notas durante o curso de admissão. Assim que terminei meu primeiro grau.

As notas eram bem razoáveis. No alto daquela folha amarelecida pelo tempo estava escrito: Instituto Gammon. Escola Carlota Kemper.

Logo a seguir, na folha de baixo, encontra-se outro nome: boletim do aluno – Paulo Expedito Rodarte de Abreu. Ano de 1961.

As matérias eram estas: português, inglês, aritmética, geografia, história pátria, história sagrada, desenho, leitura, ginástica, costura e piano apenas estavam assinaladas.

Em todas elas constava que fiquei na lista de honra. Com notas acima de nove. Sobejamente em leitura, português e inglês. Quanto ao comportamento não fui lá estas coisas. Apenas bom ou razoável. As faltas foram justificadas.  Apenas vinte e cinco delas. Durante todo o ano letivo.

Em baixo constavam duas assinaturas: professora Juraci de Souza e a diretora Maria Ornellas César. Ambas nos dias de hoje lecionam na escola do céu.

No verso do documento constava ainda a assinatura do meu saudoso pai.

Hoje, quarta-feira de cinzas, manhã de sol, meio feriado, aqui estou. A me recordar do passado. Daqueles verdes anos de tantas lembranças eternas.

Ainda me lembro do curso secundário. Longe dos tempos de agora. Garoto ainda, sem profissão definida, só pensava em estudar. Nas horas de folga jogava conversa fora. Assentado naqueles bancos de cimento duro. A falar de tudo. Até daquela professorinha de pernas angulosas. Que mal tinha olhos pra gente. Apenas para o seu marido ausente.

Os tempos passaram. De estudante aplicado tornei-me um médico ainda não aposentado.

Agora, passados os setenta, ainda sonho de olhos abertos. Sonho com meus netos formados. E eu, nas suas colações de grau, quem sabe estarei eu, com olhos rasos d’água, na plateia daquele ginásio lotado, aplaudindo de pé as suas vitórias.

Espero que estes sonhos se tornem realidade. Não fruto de uma imaginação fértil como a minha.

Ontem foi dia de faxina em meu consultório. Enchi sacos de lixo enormes. Desentulhei estantes. Uma delas lotei com grande parte dos meus livros. Em outras guardei parte do meu passado. São lembranças ainda vivas dentro de mim. Como este boletim que encontrei entre meus guardados.

Em outro estojo, de cor azulada, encontrei uma carta homenagem ao meu pai, quando de sua aposentadoria do Banco do Brasil em Conselheiro Lafaiete. São cinco folhas datilografadas em papel amarelecido pelos anos. Quem a escreveu foi um amigo dele. O gerente que o substituiu naquela casa bancária. Ela data de 29 de dezembro de 1977. Data da sua aposentadoria. Para começar outra carreira. A de advogado. A qual exerceu por pouco tempo. Aqui em Lavras. Até quando Deus o convocou para outro trabalho. Não menos meritório. Para fazer a escrita nos céus.

Esta carta a tenho guardada. Bem junto de mim.

Hoje, semi- feriado, é dia de rever parte dos meus guardados. Colocar em ordem parte do meu passado. E de sentir saudades daqueles tempos bons.

Quando  espero, um dia, ainda se lembrem de mim.

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