Tadinho do Seu Onofre

No alto dos seus muitos anos era a primeira vez que assistia a tal estado de coisas.

Aposentado aos setenta anos, depois de contribuir pra a previdência por anos e anos a fio, perdeu a conta de quantos foram, Seu Onofre, conhecido por Onofrinho, enfim pensava ter chegado a hora do merecido descanso.

Viúvo desde poucos dias, perdeu a única mulher que tanto amava, Onofrinho passava dias assentado àquele banco da velha praça.

Tinha saúde a dar e vender.

Acordava ao cantar do galo. Tomava uma ducha morna. Vestia uma roupa via de sempre dependurada a um cabide. Com um velho tênis empreendia longas caminhadas. Era um atleta desde tenra idade.

Costumava-se exercitar, no período da tarde, numa academia perto de sua vivenda.

Era tido pelos instrutores como exemplo às futuras gerações.

Até a presente data não se lembrava de nenhuma patologia mais grave que porventura o tivesse feito ficar na cama. Alguma gripinha tosca. Uma febrícula de origem desconhecida. Que logo passou como as chuva de verão.

Naquele mês de fevereiro o mundo inteiro foi tomado de assalto por uma virose que até hoje tem ceifado vidas. Medidas foram tomadas para conter o ímpeto da tal virose.

Naquela manhã de sexta-feira Seu Onofre saiu de casa a hora de costume. Era dia da caminhada. De tomar café na mesma padaria. Para depois, almoço terminado, ficar na mesma praça, no mesmo banco a prosear com os amigos.

Acontece, por orientação das autoridades, o isolamento foi recomendado. Uma quarentena se impunha para as pessoas oriundas de algum país contaminado.

Pessoas de mais idade não deveriam sair às ruas. O isolamento voluntário era aconselhado para todos os idosos. Eles não deveriam receber visitas. Muito menos frequentar academias.

Naquela manhã, de uma sexta-feira, dia vinte de março, Seu Onofrinho foi surpreendido por aquelas medidas drásticas.

Acabou sendo obrigado a ficar em casa. Não podia mais se exercitar. Nem ao menos ficar com os amigos naquela banco da pracinha. A padaria teria de esperar.

Assim passaram os dias. Um mês inteiro se viu distante.

Durante os dias Seu Onofre assistia pela televisão o desenrolar da crise.

Foi numa segunda-feira o infausto acontecido.

Onofrinho acordou com uma tosse seca. Uma febre alertou-o de que alguma coisa não ia bem.

Ajudado por um vizinho foi levado, arfante e cheio de dores, a uma unidade de saúde perto de onde morava.

Ali amargou uma longa espera. Acabou sendo internado num hospital preparado para atender tais casos.

Permaneceu alguns dias sem poder receber alta. Sentia-se melhor quando isso aconteceu.

No entanto, dias depois, o quadro recrudesceu.

A febre voltou. A tosse piorou. A respiração, cada vez mais dificultosa, novamente o levou ao mesmo hospital.

Ali passou um mês inteiro sem conseguir voltar ao mundo.

Foi-lhe atestado o óbito como de causa ignorada.

Até hoje, pensando nas consequências da tal virose maldita, quem sabe, deixando a gente de certa idade continuar a viver como nos apraz, não fosse a solução mais sensata?

Confinar velhos como se fossem bois em período de engorda, tolhir-lhes a liberdade de ir e vir, impedi-los de se exercitarem, condená-los ao ostracismo, talvez não fosse o mais recomendável.

Deixem-nos viver em intensidade plena. A vida passa num fechar de olhos. Não tentem jamais mudar nosso estilo de vida.

Seu Onofrinho perdeu o que tinha de mais precioso. Justamente por imposição daqueles que pensam que têm nas mãos o destino do mundo.

Deixe uma resposta