Entre dúvidas e incertezas

Hoje, dia lindo de outono, fresco, nuvens cinzentas escondem a cara do sol, deixei a cama a hora de costume.

Minha vontade era continuar a dormir. Mas quem disse que este desejo seria concretizado? Saltei do leito num átimo. Lavei meu rosto sonolento. Deixei o pijama entre os lençóis. Tomei meu cafezinho frugal. Num liquidificador misturei duas bananas ao leite. E adicionei aquela mistura um cadinho de carboidrato. Com sempre faço.

Deixei meu apartamento antes das seis e meia. As ruas estavam vazias. Um ou outro caminhante se deixava ver talvez rumo ao trabalho. Adentrei no meu prédio ainda entregue ao ócio. Apenas o porteiro gentil me saudou com um alegre bom dia.

Isso faço há não sei quantos anos. E quantos mais me esperam? Ainda não sei.

Entre dúvidas e incertezas comecei a semana. Não sabendo o que fazer. Se permaneço em casa. Se deixo minha residência. Se fico, se vou, se paro, se ando.

Contrariando as recomendações de prudência saio às ruas. Estou no grupo de risco. Bem sei que deveria ficar isolado. Num confinamento voluntário e voluntarioso. Para impedir que a tal virose se propague.

Mas quem disse, num dia como o de hoje, final de março, estaria em verdade resguardado da tal pandemia? Que garante a minha sanidade? Basta de ficar em casa. Estou certo que esta gripinha distinta das outras não faz mais mal do que a miséria e a fome resultados deste isolamento. Que as pessoas, continuando isoladas, sem se darem as mãos, não estariam infectadas. Ou, nos casos mais graves, sendo internadas num leito de hospital.

Quem me garante que ficando confinado terei mais saúde? Não tenho a certeza. Daí a minha aversão ao isolamento. Desejo me imiscuir aos amigos. Embora mantendo-me a distância segura.

E sobre a atividade física? Quem me assegura que as academias devem continuar fechadas? Seria mais prudente continuar em casa?

Ali me exercito. Bem sei que as aglomerações devem ser evitadas. E que lavar as mãos, redobrar a higiene, são medidas prudentes que devem ser seguidas. Sobre isso não pairam dúvidas.

Mas as incertezas ainda persistem dentro de mim. Manter o comércio fechado talvez não seja recomendado. Como irão viver os comerciantes? Como eles irão tratar de suas famílias. Esta bolsa oferecida pelo governo me cheira a esmola. E quanto àqueles que dormem ao relento? Mendigando as sobras? Ontem mesmo tive de ir a um banco. Uma senhora, ali postada, teria ela as mínimas condições de sobrevivência? Deixei-a entregue ao sofrimento. Sem nada poder fazer para amenizar-lhe os dissabores.

Agora são quase sete horas da manhã. As ruas permanecem vazias. Tudo no entorno cheira a mofo e bolor. O país, o mundo inteiro, fareja a tal pandemia.

Entre dúvidas e incertezas acordei no dia de hoje. Contrariando a prudência deixo meu apartamento. Não sei o que seria melhor? Daí faço que acho melhor. Estou cansado deste isolamento. Vou agir como sempre faço. Não me considero mais um brasileiro passível de ser afetado por esta endemia. Sou vacinado. Maior de idade. Cônscio das minhas obrigações.

Por estes motivos deixei minha casa. Estou apto ao trabalho. Não sei o que seria melhor pra vocês. Não façam o que eu digo. Façam o que suas consciências recomendem. E sejam felizes neste começo de outono. Tudo passa.

Até que as dúvidas e incertezas passem.

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