Mal acabou o mês

Nem bem o fim do mês se anunciava e a família do Zé Pobreza se lastimava.

Ainda mais nestes tempos bicudos por que estamos atravessando.

O salário só chegava à primeira semana. Nas outras era um Deus nos acuda.

Zé, desempregado quase a vida inteira, vivia de bicos e benesses do governo.

Na parte da manhã vendia balas num semáforo. Durante a tarde era flanelinha num ponto estratégico da cidade.

O resto das bocas vivia das sobras que mal duravam dez dias.

E assim passava o mês. O dinheiro resumido mal dava para as despesas iniciais.

Todas as quatro bocas viviam num cortiço numa área de risco. E ainda por cima pagavam aluguel que não era nada em conta.

E a vida caminhava atropeladamente para aqueles pobres coitados. Por vezes os dois filhos esmolavam a porta de uma loja de departamentos.

Num dia instalou-se a tal pandemia. As lojas fecharam as portas. E a crise instalou-se de dentes afiados por toda a cidade.

A família do infeliz Zé Pobreza passou por tempos bicudos. Mal tinham como se sustentar. O que o chefe percebia, quando conseguia trabalhar, mal dava para comprar os mantimentos que infelizmente mal duravam sete dias inteiros. O resto do mês passavam necessidades.

Faltava de tudo um pouco. Inclusive a tranquilidade.

Naquela manhã, de uma sexta-feira, quase finado mês, foi quando Zé Pobreza assistiu, pela televisão emprestada por um vizinho, que ele seria capaz de receber um tal auxílio emergencial.

E assim procedeu. Foi à fila da caixa econômica esperar a sua vez. A tal fila imensa dobrava quarteirão. Contrariando as recomendações de isolamento o pobre Zé passou o resto do dia à espera de sua vez.

E, assim que adentrou a casa bancária foi informado que ainda não fora aprovada a sua ajuda humanitária. Que desumanidade era aquela…

Mais um mês se passou. A geladeira esvaziou-se. A fome começou a importunar aquela pobre família. Nada tinham para comer a não ser algum mantimento oferecido por algum vizinho.

Nunca passaram por tal estado de calamidade. Pela televisão só podiam ver promessas vãs.

Que num dia, não se sabia quando, mais provisões seriam disponibilizadas àqueles que mais necessitavam. E não eram nada mais do que promessas vãs.

Foi naquele mês de maio, quase ao seu final, desesperado, Zé Pobreza novamente foi à porta do banco. Na esperança de receber o tal auxilio emergencial.

Mais uma resposta negativa. Ainda não seria desta vez. Acontece que os recursos minguaram. O desgoverno anunciou a falência do sistema. Que a economia estava a ver navios em alto mar.

Mal terminou o mês e a situação continuava de mal a pior. Nada de receber aqueles caraminguados prometidos. E a fome apertava fundo no estômago vazio. A destemperança campeava solta pelo país inteiro.

Foi quando o infeliz Zé Pobreza tomou uma súbita decisão. Candidatou-se a vereador. Saiu vitorioso na eleição.

Desde então nunca mais passou fome. O polpudo salário durava mais que dois meses inteiros. Fora as vantagens oriundas do cargo. Que nem eram contabilizadas ao final do mês.

Infelizmente é o que acontece em nosso mal falado país. Falta-nos o descalabro de denunciar e punir tais infratores.

 

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