Ainda não foi desta vez…

A cada dia que passa, a cada momento em que vivemos, perdidos em nossos pensamentos, vem-nos a lembrança aquela primeira vez.

A primeira vez que, tropegamente, aprendemos a caminhar. As primeiras palavras que aprendemos a soletrar. O primeiro abraço que nos apertou junto aos braços de nossa mãe. O primeiro presente que recebemos no dia de nosso primeiro aniversário. Aquela festinha carinhosamente preparada por nossa avozinha. Que não mais está aqui.

São tantas primeiras vezes que não me lembro de quantas foram. Bem sei que todas elas deixaram rastros em nossa imaginação.

Ainda não foi daquela vez que chorei. O motivo foi esquecido. Talvez tenha sido por uma reprimenda qualquer. Mas deve ter sido merecida.

Ainda me lembro de quando fui a escola pela primeira vez. Fui levado pelo meu pai. Confesso que estranhei aquele dia. E tive de ser levado de volta antes do final do dia.

Mas logo me acostumei. E, a partir de então, ia solitário, no ônibus que nos levaria a escola, sem demonstrar nenhuma contrariedade.

Um dia, jovenzinho ainda, acabei me acostumando a olhar as garotas com olhares de puro enlevo. Um dia uma delas me fez pensar seriamente em me casar. Apesar de ainda jovem este pensamento acabou se tornando realidade. E com ela mesma subi ao altar.

Já formado, adulto feito, quando aqui cheguei, com as malas recheadas de sonhos, e trabalhava desde o sol nascer ao despontar da lua, descobri que a vida não é apenas recheada de bons momentos. Desilusões existem. Fracassos devem ser enfrentados com coragem e discernimento.

Ainda não foi daquela vez que me casei. Passei anos a espera daquele dia. Creio ter escolhido a pessoa certa. Ainda estou junto dela. Apesar de nossas querelas dependemos um do outro. Para os bons e maus momentos.

Ainda não foi daquela vez que tive a primeira desilusão. Outras se seguiram. Quem não as teve durante toda vida?

Fracassos, vitórias, ainda fazem parte de minha existência. A vida é isso mesmo. Uma sucessão de idas e vindas. De retrocessos e arrependimentos.

Um dia, quando me preparava para uma cirurgia de risco, o paciente estava debilitado, compreendi que tudo na vida deve ser enfrentado com coragem a dedicação. Por sorte tudo correu as mil maravilhas. O paciente teve alta em boas condições.

Ainda não foi daquela vez que tive de enfrentar a morte. E quantas vezes admirei-a de perto. E a partir de então nunca mais ela me intimidou.

O dia mais triste de minha vida foi quando perdi meus pais. Ainda não foi aquela vez o derradeiro dia em que chorei.

Ainda me lembro do meu primeiro livro. Ele trazia na contracapa a figura em mosaico do meu pai.

Outros se seguiram. Até no presente momento conto dezoito. Não sei quantos mais serão editados. Tudo vai depender da inspiração que me domina. E do meu desejo de desafogar tudo que aflora dentro do meu eu.

Ainda não será desta vez que aposentar-me-ei por completo. Tenho saúde e tirocínio para continuar por anos a fio. Espero continuar meu trabalho enquanto a minha vida continuar. Ainda não vai ser desta vez que irei descansar totalmente. O trabalho faz falta. Assim a vida me tem ensinado.

Meu pai já dizia: “o ócio é o começo do fim”.

Ainda não vai ser desta vez que deixarei de sentir o quanto vale a pena desfrutar deste lindo dia de outono. Outros sucederão. E tomara esteja aqui, nesta manhã de sexta-feira, a elucubrar o quão bom é viver.

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