A vida que eu pedi a Deus

Reclamar da vida não faz o meu gênero.

Por mais que ela pareça insossa tempero-a com sal a gosto.

Trabalhar, exercitar-me, acordar ao nascer do sol, escrever até as oito, começar o ofício de médico a partir de então, tem feito parte do meu modus vivendis desde tempos antigos.

Conto nos dedos mais de dezoito livros. Se pudesse incluir todos os textos escritos, mais de dez mil, aqui listados no meu computador, não sei quantas edições de livros seriam precisos.

Talvez, dividindo dez mil, por duzentos, quantas crônicas caberiam num livro, fazendo as contas, perfariam um total de duzentos. O difícil seria vender todos eles. Infelizmente em nosso país a leitura ainda não faz parte de nossos costumes. Como exemplo cito um ex-presidente, que se gaba da incultura. E o atual que fala pelos cotovelos. Mas parece ser bem intencionado.

Qual seria vida que pediria a Deus?

Nascer em berço dourado, ficar de papo pro ar, observando o nascer do sol, sem nada a fazer no decorrer do dia? Ou, ao revés, trabalhar de sol a sol, ter o trabalho reconhecido, voltar à casa cansado, e descansar com os filhos ou netos aos seus pés?

Um velho amigo, pelo qual tenho em alta estima, um senhor bem vivido, vizinho de minha roça, por quem passo ao cair das tardes de sábado, e ele, assentado nos seus calcanhares, fumando um cigarrinho de palha apagado, sempre me diz: “por que tanta pressa? A vida continua e você sempre afogueado. Pare aqui comigo. Vamos trocar um dedo de prosa.”

E eu paro. Assento-me junto dele. Aceito em parte seus conselhos. E sigo de volta à cidade, de novo com a mesma pressa de sempre.

Ele sim. Tem a vida que eu pedi a Deus.

Seu Zé Antônio, no alto da sua sabedoria, com seus mais de oitenta anos, já trabalhou mais do que o necessário. E ainda faz bicos remendando cercas. Tirando um leitinho minguado, diz ele só pro gasto. Faz queijos com rara habilidade. Trata de uma porcada sadia. Cuida de umas duas dúzias de galinhas caipiras. É o que deseja para ser feliz.

Naquela hora em que passo por ele, antes das seis da tarde, ele se prepara para dormir. Nunca fez uso de nenhum medicamento para ajudar no sono. Acorda sempre a mesma hora. Antes da seis da manhã.

Seu Zé Antônio sorri mesmo das adversidades. De bem com a vida. Conta piadas como profissional. Tem um filho cego. Com o Cláudio é a mesma coisa. Ele é um faz de tudo. Anda pelas cercanias como se enxergasse além das pedras do caminho.

Quando o vejo pelo caminho faço questão de bulir com ele. E ele me responde com o mesmo bom humor.

Ambos são felizes e bem o sabem. Vivem de bem com a vida. Desconhecem as más notícias. Só tem ouvidos para as boas.

Em tempos atuais tenho pensado. Estamos vivendo tempos difíceis. A tal pandemia tem me tirado a paz que tanto preciso. Durmo pouco.  Tenho medo de sair às ruas.

Já aqueles dois, tanto o pai quanto o filho Cláudio, são felizes com o pouco que têm. Às suas maneiras aprenderam a sorrir. Mal assistem à televisão.

Dormem ao empoleirar das galinhas. Fazem do trabalho a sua religião.

Aqueles dois amigos, eles sim, têm a vida que pedi a Deus. Tomara me deixe contaminar pela mesma doença. Sem a possibilidade de me curar.

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