Na fila do desespero

Quantas vezes quantas tive de enfrentar filas imensas.

Ontem mesmo, no supermercado, ela se estendia além dos meus olhos.

Tive de esperar pacienciosamente por mais de hora e meia. Pessoas desarvoradas como eu aguardavam impacientes.

Mas acabou chegando a minha vez. Foi preciso contar mais de três.

Aliás, paciência tem sido a bola da vez.

Nestes tempos de pandemia. Quando pessoas desempregadas aguardam em filas enormes, à porta de bancos, para receberem o tão almejado auxílio emergencial.

De vez em quando passo por uma delas.

Era manhã de sábado. Véspera de um feriado.

A tal fila dobrava quarteirão. Se pudesse contar quantas pessoas ali estavam minha contagem se estenderia a mais de mil.

No entanto parei nos quatrocentos. Tinha pressa. Felizmente a tal fila não me esperava. Iria a outra casa bancária. Da qual meu saudoso pai foi gerente.

Em seu tempo o atendimento era distinto. Ainda não existiam as tais máquinas caça níqueis.

Quando um cliente precisava de um empréstimo tinha de falar com o gerente. E ele olhava nos olhos do requisitante e logo concedia ou não o beneficio. Muitas vezes o empréstimo era recusado. Decerto seria  um mau pagador. Naqueles tempos todos eram conhecidos.

Os tempos mudaram.

Naquele sábado, não me lembro de quando foi, quando passei por aquela fila imensa, percebi, logo ao seu final, um moço, vestindo uma veste surrada, chapéu de palha gasto pelo sol da roça, torcendo freneticamente as mãos.

Como tinha um resto de tempo parei junto dele. Não foi por curiosidade. E sim por comiseração.

O tal rapaz inspirou-me compaixão. Não sei por que razão.

Seu nome era Benedito. Segundo dele ouvi.

A história do Benedito era igual a muitas outras país afora.

Retireiro por profissão. Amante das vacas e dos bezerros.

Acontece, se não me falha a memória, foi demitido por injusta causa.

Por motivo justo faltou ao serviço. Um filhinho amanheceu enfermo. E teve de levá-lo ao hospital.

Naquele dia as vacas ficaram sem ordenhá-las. Não havia substituto. Benedito era o único trabalhador naquela fazenda enorme.

Até aquela data jamais o jovem havia faltado ao trabalho. Acordava ao nascer do sol. E só descansava ao nascer da lua.

Por infelicidade, naquele dia, do qual se lembrava, sem saudades, Benedito se fez ausente.

Desde então se viu no olho da amargura.

Por não ter instrução nunca mais conseguiu emprego. Com três filhos para cuidar, e uma mulher a espera do quarto, o pobre retireiro se viu em enormes dificuldades.

Morando numa casinha alugada, num bairro de periferia, estava tentando, naquela fila enorme, pela terceira vez, o tal auxílio emergencial.

Nas outras vezes ele foi recusado. Faltava um pequeno detalhe. Mas, pelo computador, que não sabia usar, foi impossível aquilatar qual foi.

Benedito esfregava as mãos de ansiedade. Ali estava a mais de quatro horas.

Aluguel em atraso. Contas dependuradas. Despensa vazia.

Deixei o pobre trabalhador rural sem nada poder fazer para atenuar-lhe a infelicidade.

Em seus olhos baços observei toda a amargura do mundo.

Aquela, em verdade, era a fila do desespero.

 

 

Deixe uma resposta