Acreditem, eu vi

Hoje, cinco de agosto, acordei sob uma temperatura de mais ou menos cinco graus centígrados.

Do lado de fora da minha janela mal se via o azul do céu.

O cinza predominava. Na linha do horizonte se podia ver uma nesguinha de claridade.

Até o vento tiritava de frio. Poder-se-ia imaginar que até mesmo o frio carecia de cobertor.

Saltei da cama com pouca vontade. Era hora de ir ao consultório. A esperar os corajosos que naquele começo de agosto se atreveriam a me procurar.

Vesti um agasalho dependurado no armário. Ele me olhou como se desejasse permanecer por ali mesmo. Quentinho entre meus guardados.

Esperei a água da pia esquentar um pouquinho. Minhas mãos enregelavam ao contato daquela água fria. Nada mais me apetecia do que permanecer naquela cama aconchegante. Mas, como de costume deixei o apartamento sob a cinzentice daquela manhã.

Por sorte moro pertinho da minha oficina de trabalho. Antes morava bem mais distante.

Aqui cheguei pontualmente às seis da manhã. O cordial porteiro estava sonolento. Cumprimentou-me com a máscara tapando-lhe a boca e parte do nariz.

O prédio estava vazio. Como de sempre.

Aqui cheguei. Como de costume ligo o computador. E acendo a luz do meu aquário.

Tomo meu cafezinho expresso.

E, no instante em que a máquina de fazer café esquenta, naquele frio destemperado, não tenho a coragem de abrir a janela, encaminho-me em direção ao meu aquário.

Alguns peixinhos ainda estão dormindo.

Um deles, um mais pequenininho, mais parece um lambarizinho de rabo vermelho, antes serelepe, estava enrolado em um cobertor.

Deixei-o dormir. A temperatura da água deveria estar gélida demais. Nem mesmo a lâmpada amarela dava conta de aquecer a água do meu aquário.

Assim que despejei a ração dentro da superfície daquela piscina espelhada, percebi, com estes olhos observadores, o mesmo peixinho friorento esfregar os olhinhos de sono.

Ele mal me olhou nos olhos.

E penso ter ouvido de sua boquinha que abre e fecha estas palavras de pura irreverência: “por favor, meu bom doutor. Deixe-me dormir mais um cadinho. Fique em casa. O senhor faz parte do grupo de risco. Espere a tal pandemia passar”.

Acreditem se quiserem. E ele voltou a se enrolar no cobertor.

Deixe uma resposta