Às vezes

As indefinições fazem parte de nós desde quando nos entendemos por gente.

Vamos por ali? Tomamos o caminho certo. Ou seria melhor retrocedermos?

Muitas vezes escolhemos o caminho errado. Feliz daquele que descobre a tempo e volta no tempo. E, uma vez descoberto o logro, volta atrás. E conserta o ledo equivoco.

Errar é humano. Dizem que reconhecer o engano é obra de Deus. Mas quem disse que a gente, vis mortais, na maior parte das vezes pensa melhor, e conclui que tudo aquilo deveria ser feito de outra maneira. Com mais submissão. Desprendimento. E até mesmo nos desculparmos com aquela pessoa a qual sem querer ofendemos num momento de raiva. Com palavras ásperas. Rudes. Quando em verdade deveríamos tratar a todos com a mesma cordialidade costumeira. Evitando dizer asneiras. Impropriedades que podem machucar a sensibilidade dos demais.

Conheço uma pessoinha maravilhosa.

Pedro nasceu na roça. Dali não saia a não ser quando tinha de ir à cidade a fim de comprar mantimentos.

Tinha pelos animais verdadeira adoração. Considerava as vacas suas amigas de verdade. Aos cães dedicava verdadeira adoração.  Embora não se fizesse entender pelas galinhas, que se expressavam cacarejando, com elas conversava para descobrir onde estaria o ninho. E elas respondiam batendo asas. Nunca vi Pedro insatisfeito com a vida que levava.

Ele renegava mentiras. Era verdadeiro em sua intimidade singela.

Naqueles tempos Pedro contava com apenas vinte anos. Era um moço dedicado ao próximo. E nunca o vi contando mentiras.

Acontece, naquela rocinha perdida onde a vista descansa, morava um vizinho espertalhão.

Tiãozinho da Efigênia, uma mulher desprovida de formosura, vivia a troçar dos outros. Por não ter o que fazer vivia a pilheriar com a desventura alheia. Embora fosse ele o mais desventurado de todos.

Num sábado, dia quente, céu azul, ambos se encontraram.

As vacas de Pedro, por não terem o que comer, arrombavam cercas. E iam parar no pasto do vizinho.

Tiãozinho, preguiçoso que sempre foi, nunca havia remendado cercas divisórias. E dizia que tal incumbência era devida ao vizinho de pasto.

Foi neste dia de sol de fazer brilhar os olhos que os dois se encontraram.

Foi exatamente do lado da roça do desinfeliz Tiãozinho.

Pedro, com um rolo de arame farpado nos ombros, subia o morro.  Tiãozinho, com aquele olhar de mofa, olhava pra cima sem se atrever sequer a ajudar no serviço.

Foi quando Pedro disse, com a sua vozinha mansa: “a cerca é do seu lado. Pelo menos me ajude a refazê-la”.

Já o preguiçoso Tiãozinho retrucou com sua voz esganiçada: “as suas vacas é que invadem a minha propriedade. Ontem mesmo vi a Braúna do lado de cá. A danada estava com a boca cheia de cana. Ruminando de bucho cheio. Dizendo besteiras aos meus ouvidos. E não entendi bulhufas do que ela dizia”.

Pedro, sem entender patavinas da prosa ruim do mentiroso vizinho, acabou remendando a cerca sozinho.

Uma vez em casa foi perguntar a vaca Braúna o que havia acontecido.

Ela negou a ocorrência.

No outro dia mais uma vez os dois se encontram. Fazia um calor dos infernos. Era dia de sol a pino.

Foi Pedro quem começou a conversa: “viu! Perguntei a minha vaca Braúna se ela em verdade havia arrombado a cerca. E ela me jurou, de cascos juntos, que nunca passou ao seu lado. E vaca não mente. Eu acredito mais nela que em você”.

Com o seu sorriso habitual, sempre troçando da gente, Tiãozinho respondeu: “às vezes”.

 

 

Deixe uma resposta