Parece que foi ontem…

Como o tempo passa.

Passam os anos e a gente nem percebe.

Quando olhamos no espelho já não somos mais crianças. Quando menos percebemos já crescemos o bastante para sairmos da barra da saia da mãe.

Assim passarinham os anos. A velhice é inexorável.

A morte, da mesma maneira, se torna uma realidade incontestável.

Uma vez jovem ainda, pensando no que seria, um dia, passou-me pela cabeça tornar-me médico.

Assim aconteceu. Guardo boas recordações daqueles anos bons. Faz tantos anos que quase nem me lembro mais.

Tudo aconteceu na capital do meu estado. Foi naquela Belo Horizonte, hoje bastante modificada, que tudo aconteceu.

A nossa colação de grau foi num belo ginásio. Ainda trago, naquela fotografia em preto e branco, bigodes escuros, longas madeixas, um sorriso tímido, sem sequer imaginar o que seria daquele jovem esculápio. Muitos colegas já partiram rumo a um lugar encantado. Eles agora exercem a medicina no céu.

Ah!, se bem me lembro, salvo algum logro, tudo aconteceu no ano de dois mil novecentos e setenta e quatro.

Passaram-se tantos anos. Quase uma eternidade.

Aqui aportei há exatamente quarenta e três anos.

Agora, neste dezembro em curso, faço quarenta e seis anos de formado. Estou prestes a completar cinquenta.

Como a medicina mudou. Transformou-se radicalmente. A Urologia principalmente. O bisturi está quase aposentado. As cirurgias são teleguiadas. Os robôs passaram a nos substituir. As cirurgias a céu aberto quase se tornaram peças de museu.

Parece que foi ontem que aqui cheguei. Vindo de outro país. Da linda Espanha, precisamente de Madri, onde não tive tempo de assistir às touradas.

Quando ali cheguei, oriundo de um país terceiro mundista, diziam-me, naquela linguagem inconfundível, para ver, ouvir e calar, para não molestar. E eu a tudo assistia sem me manifestar. Um tanto avexado, confuso e arredio, pois era a primeira vez que participava de uma reunião de médicos bastante conceituados na especialidade.

Era o distante ano de dois mil novecentos e setenta e sete.

Parece ter sido ontem. No entanto quantos anos se passaram.

E como eu me transformei. A experiência me fez modificar.

Hoje me tornei mais paciencioso. Mais humilde. Menos voluptuoso.

Desde que aprendi a escrever ouço mais do que opino. Aprendi, graças à arte de escrever, que não sou mais a última bolacha do pacote. Existem outras de melhor qualidade.  E inclusive de melhor sabor.

Parece que foi ontem que comecei a arte de curar. Hoje, mais criterioso, aprendi que nem sempre se consegue. Existem enfermidades que não tem cura. Apenas e tão somente conseguimos atenuar as dores.

Ontem, dezoito de outubro, foi considerado o dia dos médicos. E como a medicina se transformou.

Já hoje, ainda longe da aposentadoria, quem aposenta o médico é o paciente, não temos o direito de nos jubilarmos, alguém me perguntou: “o senhor ainda é médico”?

Não lhe respondi de imediato. Guardei a resposta pra mim.

Parece que foi ontem que aqui cheguei. Nem faz tanto tempo assim…

 

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