Tudo tem sua primeira vez

A primeira namorada. A primeira vez que caímos na estrada. A primeira vez que apreciamos o nascer do sol. A chuva que caiu na tarde de ontem. O secume que esturricava a pastaria. Inclusive, para não me alongar muito, a primeira vez que aconteceu comigo.

Foi numa terça-feira do mês de marco.

Era antes das oito e meia da manhã. Como de rotina acordo cedo. Lavo o rosto recém-amanhecido. Penteio o que me resta dos cabelos. Escovo os dentes. Bochecho com um produto de limpeza. E saio de casa com a madrugada bocejando. Caminho alguns minutos até chegar ao consultório. Ligo o computador. Tomo meu cafezinho expresso. Alimento meus peixinhos aquarianos. E, antes que o relógio enseje oito horas procuro a inspiração. E a encontro de repente. Outra crônica nasce ao despertar do dia. São assuntos variados. Depende de quase tudo. Do acontecido na manhã de um novo dia. Daquele paciente examinado na semana perdida. Das flores do campo. Da chuva que teima em não cair. E como ela faz falta nos ares do campo.

Tudo tem sua primeira vez. Uma primeira vez que se repete. Assim aconteceu comigo. Num passado remoto. Anos antes do dia de agora.

Aquele rapazola, que naquela manhã de março me procurou no consultório, havia marcado a consulta de véspera. Meses antes de acontecer a nossa entrevista.

Ele adentrou a minha sala um tanto ressabiado. Naqueles tempos não era de costume usar máscaras.

Rosto espinhento, barba rala, por fazer, ele se chamava Antenor.

Havia vindo de uma rocinha distante. Era o primeiro filho daquele casal.

Acostumado ao trabalho duro. Tez tostada pelo sol.

Antenor era tímido como um franguinho em vias de empenar. Acostumado a acordar cedo. Deixou a escola por falta de tempo para estudar.

Um ano antes conheceu uma garota da qual se lembrava sem pestanejar. Por ela caiu de amores. Foi um amor doce como o leite da vaca de nome Braúna. A favorita do curral.

Começamos a prosa depois de alguns minutos. Antenor mal me olhava nos olhos. Foi preciso quebrar o gelo para tirar dele alguns dos seus queixumes. Tive de usar de cautela. Ele estava desacompanhado. Não contou aos pais que havia procurado o auxilio de um especialista.

Depois de escutar-lhe, atentamente, o motivo da consulta, permaneci como ouvinte. Não emiti opinião.

Antenor me explicou, quase monossilabicamente, que, quando da primeira vez que se deitou com sua namoradinha, apaixonado que estava, a coisa não funcionou. Foi uma brochura que se repetiu tempos depois.

Daí a sua preocupação. O que estaria acontecendo com ele? Era saudável. Nunca havia ficado doente. Salvo alguma gripezinha que se curou espontaneamente. E uma caxumba que não desceu às partes de baixo.

Ficamos minutos perdidos naquela conversa boa. Antenor se abriu como nunca sucedeu  antes.

Ficamos quase íntimos. Diria que uma amizade fraternal havia nascido entre nós.

Levei-o a sala de exames. Tudo estava nos conformes. Salvo uma fimose que impedia sua glande de se mostrar ao sol.

Recomendei que ele se livrasse daquele prepúcio exagerado. E ele assim o fez.

Marcamos a operação para de hoje a sete dias. Marcado e acontecido.

Um mês se passou. Antenor voltou à consulta para me dar boas novas.

A relação sexual foi bastante satisfatória. E ela se repetiu por varias vezes. Naqueles tempos ele contava com dezoito anos.

Anos depois, novamente o Antenor voltou a me procurar. O motivo era outro. Ele, aos trintanos, gostaria de fazer vasectomia. Tinha cinco filhos com três mulheres diferentes. E era hora de terminar.

Tudo tem sua primeira vez. Daí a importância da primeira consulta com o urologista. Recomendo-a na primeira infância. Antes de a vida transformá-lo em adulto. Antes prevenir do que remendar.

Deixe uma resposta