Tião Bom Senso

“Carpe Diem”. Sempre dizia ele.

Nem sei se ele, o velho Tião, sabia o significado daquela expressão.

E em verdade ele curtia cada momento. Fosse ele ruim ou puro desalento.

O velho Sebastião, que um dia foi jovem como a gente, em verdade vivia o instante. Não era apegado aos bens materiais.

A ele bastava um casinha singela. Uma cama para passar a noite. Uma pessoa amiga para conversar ao cair das tardes. Assentado àquele banquinho tosco. O mesmo usado para ordenhar as vacas.

Tião da Silva Qualquer vivia numa rocinha encantada, perdida onde a madrugada se esconde da lua cheia, um lugar esquecido pelo resto do mundo, onde nasceu, cresceu, e amava aquele lugarzinho que não trocava por nenhuma cidade por mais moderna que fosse.

Era feliz e bem o sabia.

Aos quase oitenta anos, bem vividos, emprestando saúde a quem precisasse, e como era magnânimo aquele senhor admirado por suas qualidades, cujo único defeito era bondade pura, uma vez me procurou no consultório.

Como não tinha plano de saúde pediu um desconto no preço da consulta. Do lado de dentro escutei o mesmo pechinchar com minha secretária. Ela, sem me consultar, deu-lhe um desconto maiúsculo.

Entrou passo a passo. Assentou-se à cadeira defronte a minha. Tirou o chapéu de palha não sem antes me agradecer pela graça do preço camarada.

O velho Tião não entrou diretamente no motivo dos seus queixumes. Fez uma longa introdução sobre a sua pessoinha pura.

“Vim de longe. Tomei duas lotações para chegar até aqui. O senhor foi indicado por um amigo de longa data. Diz ele que o senhor é confiável. Que não vai me indicar algum tratamento milagroso. Bem sei da minha idade. Não sou mais jovem como dantes. Já passei por tantas coisas que nem me lembro mais. Agora, neste momento solene, espero que o senhor examine as minhas partes que nunca foram mostradas a ninguém. Apenas minha saudosa mãezinha, ao trocar as minhas fraldas, conheceu minhas partes íntimas. Não costumo devassar minha intimidade. Por favor, guarde segredo. A nossa prosa espero não sair daqui pra fora”.

Ouvi-o sem retrucar. E não precisei emprestar a ele a minha concórdia.

“Há tempos”, continuou ele, “tenho observado uma dificuldade em verter urina. De hora em hora me levanto durante a noite. A urina está com uma cor escura. E mal cheirosa a danada. E quanto ao sexo ele não levanta como dantes. Tenho uma namoradinha bastante fogosa. Ela exige de mim mais que consigo. Tenho feito feio ao cair na cama.”

Levei-o à sala de exame. Fiz o toque sem maiores delongas. Contatei uma próstata bastante aumentada. Macia sem sinais que me levassem a pensar em coisa maligna.

Depois de alguns minutos de explicação, de explicar-lhe que sua próstata não carecia de ser operada, bastavam alguns medicamentos de uso continuo, e que sua potência iria melhorar, com um simples remedinho, o velho Tião saiu aliviado.

Não sem antes me agradecer penhoradamente.

Foi quando dele ouvi, daquela pessoa encantadora, estas palavras que me fizeram pensar: “doutor, o senhor de fato é um médico que usa o bom senso. Outro teria me indicado a operação de próstata. E quem sabe uma prótese peniana. Eu, na minha idade, com pouco tempo de vida, pra que tudo isso? O senhor fez o que vai ser melhor pra mim”.

Despedimo-nos com um fraternal abraço. Acredito que ganhei mais um amigo.

O bom senso não é só meu. Aprendi a tê-lo com os pacientes como o velho Tião.

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