O mundo pelo avesso

Em criança, na minha doce infância, amava ver a coisas de cabeça pra baixo.

Pensando assim virava o carrinho de rolimã ao revés. E, ao tentar fazê-lo andar logo perdia o equilíbrio. E caía de cara no chão. Apenas arranhões sem muita importância me faziam lembrar aquelas brincadeirinhas de pura arte. As mesmas que deixavam de castigo meu primeiro netinho Theo.

E, logo deixava aquele cantinho, depois de prometer a minha saudosa mãe que não mais incorreria naquele senão. Mas quem disse que criança emenda à primeira repreensão?

Outras estripulias me faziam ver o mundo pelo avesso.

Uma vez, anos perdidos na minha imaginação, ao ganhar um cavalinho nanico como presente de aniversário, ao ver aquele piquirinha cabeludo prontinho a ser montado, fiz beicinho. E, como era bom aluno, aquele cavalinho nanico foi trocado por um belo alazão.

Outras decepções me acompanharam vida afora. Pena que a gente cresce. Os sonhos amadurecem. E, daquela criança artiosa nada mais resta senão um adulto em busca de seu ganha pão.

Depois de adulto formado, sonhos desfeitos, descobri que nem tudo que a gente sonha se transforma em realidade.

O mundo que nos depara se torna um mundo pelo avesso. Por vezes cruel. Desigual. Anormal.

De repente, não mais que num repente, percebemos, numa curva do caminho, que nem todos têm a mesma oportunidade. É em verdade um mundo que nos cobra muito. Temos de estudar, nos esforçarmos bastante, pra tentar sair da barra da saia de nossos pais.

O começo é difícil. Tormentoso. Temeroso.

A primeira etapa, uma vez vencido o vestibular, mais anos nos esperam até a colação de grau.

Formados, ainda não emancipados, o primeiro emprego nos espera de portas abertas. Mas, ali dentro não é o que esperamos. As decepções e desenganos fazem parte dos primeiros anos.

Desiludidos, angustiados, tentamos perseverar.

Mais uma vez encontramos um mundo pelo avesso. Não conseguimos sucesso na primeira tentativa. Éramos jovens demais para compreender a vida.

Passamos pela idade adulta. Casamos e tivemos filhos. E, nossos filhos, que nos deram netos, encontraram as mesmas dificuldades pelo caminho.

A partir de certa idade, perdida a mocidade, de repente ficamos velhos.

Pensamos que a velhice, a tão sonhada aposentadoria, deveria ser a utopia da felicidade. Aí, neste pondo da estrada, fatídica encruzilhada, as enfermidades aparecem. E com elas a reclusão numa casa de idosos. Não mais temos filhos a cuidar da gente. Eles construíram família. Com muitas boquinhas a tratar.

Agora é tarde. Nem a visita a gente tem direito. Ficamos confinados como bois de engorda. Ainda mais nestes tempos de pandemia. A espera da vacina salvadora. Temos de ficar isolados. Tristes e acabrunhados. Sonhando com os velhos tempos. Que, infelizmente não voltam jamais.

Foi, a partir de agora, que acabei descobrindo um outro mundo. Um mundo pra mim pelo avesso.

E, hoje me sinto como se fosse aquele carrinho rolimã. O qual tentei inverter as rodinhas para a parte de cima. Foram tantos tombos que nem me lembro mais.

O mundo de hoje quase me faz chorar. Só que as lágrimas não escorrem mais pelo canto dos olhos. Este mundo pelo avesso que me faz entristecer. Cada vez mais.

 

 

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