A menina de sorriso fácil

Difícil é saber sorrir. Principalmente nestes tempos trágicos em que estamos vivendo.

Tudo é motivo de desconsolo. Tristezas, lamentos.

Pelas ruas só se veem pessoas usando máscaras. Escondem a verdadeira identidade. No fundo são pessoas tristes. Acabrunhadas, amarguradas, por estes tempos taciturnos.

Viver tem sido um fardo pesado demais. Principalmente para famílias que vivem a margem da sociedade, desempregados, pais de famílias desalentados, que não têm o que levar pra casa ao fim de um dia recheado de desilusões.

Ontem mesmo assisti pela televisão, numa grande cidade, um pobre separando do lixo, amontoado pelas ruas, um colchãozinho velho, carcomido pelas traças, e um embrulho onde se podia ver alguma coisa semelhantes a restos de comida, única refeição daquele dia infeliz.

Em casa, provavelmente num barraco de periferia, esperavam-no crianças famintas, ávidas por abocanhar um pãozinho qualquer, que por acaso lhes mitigasse a fome.

Tem sido dura a vida do brasileiro. A tal pandemia não só tem feito vitimas pela doença e ainda mais pela penúria da miséria que campeia por todo o território nacional.

Lojas fechadas. Ruas semi desertas. Pessoas em busca de alguma coisa que foi perdida desde quando começou esta doença sem hora de terminar.

Estamos em pleno outono. Dias lindos nos saúdam a hora de acordar.

Num dia destes, creio que há uma semana atrás, ao descer para o consultório, era ainda cedo, deparei-me com uma cena que me fez pensar.

Uma pessoinha, ainda jovem, acabara de se levantar. Ela dormia por debaixo de uma manta surrada. Abriu os olhinhos sonolentos. Percebi, pelo seu olhar, que ela sorria. Difícil é saber sorrir nestes tempos de pandemia.

Perguntei-lhe o nome. Ela, ainda de olhinhos fechados, acolheu a minha pergunta com um sorriso nos lábios.

“Meu nome é Maristela. Não tenho sobre. Pois não sei quem foram meus pais.

Hoje conto com apenas doze anos. Não sou desta cidade. Vim de longe. Nem me lembro mais”.

Tentando entender a sua sina continuei a inquisição.

“Você estuda? Vive pelas ruas? Não seria melhor procurar uma ocupação”?

E ela me respondeu, com um lindo sorriso no rosto: “não. Sou feliz assim como estou. Não tenho sonhos. Sou mais uma sem teto. Não careço de afeto. Basta-me dormir olhando as estrelas. Não me importa o porvir. Conta, pra mim, viver das sobras. Basta-me pouco para ser feliz.”

Despedi-me da menina Maristela sem saber se iria vê-la de novo. Quem sabe noutro dia.

No dia seguinte, ao descer a rua não mais vi Maristela. No lugar onde ela dormia restava apenas aquela manta surrada. Mas nem sinal daquela menina.

Tenho pensado, durante estes tempos difíceis, como pode alguém sorrir?

A menina do sorriso fácil mostrou-me, com aquele sorriso lindo, que é possível sim. Basta abrir a alma. Desencantar os sentimentos. E sorrir pra vida. Pois ela continua linda…

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