Azar pra mim é festa

Quantas vezes acordei contrariado, pensando na vida que temos levado, com esta pandemia que não acaba, mercê da crise que mais e mais se alastra, na pobreza que impera em todo território brasileiro, nas pessoas que dormem ao relento, com o frio que tem feito, e, pensando assim, sinto por dentro uma tristeza profunda, ao revés do dia lindo que se mostra lá fora, o sol brilha em intensidade plena, nesta quarta-feira do mês de julho, com a olimpíada trazendo medalhas, se bem que poucas ainda para as cores verde amarelas, poderiam ser muito mais, não vejo razão para tanta melancolia, tanta apatia que me consome, pois sou feliz por dentro, embora do lado de fora não imagino o quanto.

“Azar pra mim é festa”. Assim dizia um amigo. Nestas conjunturas contrárias à felicidade ele sempre mostra um sorriso na face, mesmo que em falta da maior parte dos dentes imperfeitos.

Zé Sorriso Manifesto, não sei qual seu nome verdadeiro, divide os pastos com minha rocinha perdida nos cafundós do município de Ijaci.

Ele já conta com mais idade. Já perdeu a mocidade um caminhão de anos.

Imagino-lhe com quase oitenta anos. Embora ele sonegue idade talvez tenha já passado deste montão de anos.

Zé vive solitário desde quando nele botei os olhos. Talvez tenha família. Embora não diga onde ela mora. É aposentado desde os muitos anos. Trabalhador rural com mãos caludas e tez tostada pelo sol.

Ele diz ter sido retireiro de uma fazendona na juventude que se foi ao longe. Aposentou-se com quase setenta anos. Vive numa rocinha herdada do patrão. E se diz feliz com o pouco que tem.

Ainda tira leite. Assentado àquele banquinho tosco cuida de duas dúzias de vacas baldeiras. Das quais tira o seu sustento. Já que a miséria que recebe da aposentadoria mal dá para pagar a conta da luz, já que a água sai de uma mina aos fundos da casa.

Ze é feliz a sua maneira. Não se apoquenta com a carestia. Não assiste à televisão. De onde saem apenas noticias ruins.

Naquele dia em que nos encontramos, à porta de sua porteira, já era tarde, pra ele, que dorme junto às galinhas, parei a caminhonetinha num átimo. Fiz questão de cumprimentar o amigo velho.

Falei da situação vigente. Da tal pandemia que fazia vítimas por todas as partes. Comentei ainda sobre a crise das classes menos favorecidas. Dos ricos que mais e mais enriquecem. Do fosso social mais e mais acachapante. Da altura dos preços em contrapartida à miudeza dos salários.

Zé Sorriso Manifesto coçou a piolhenta, esboçou um sorriso um mil e um, faltavam os dentes da frente, e respondeu a minha assertiva com um sonoro e estridente: “quer saber? Azar pra mim é festa. Sou feliz queiram ou não queiram. Contento-me com o pouco que tenho. Não me apoquenta o que pensam de mim. Deixem a porca torcer o rabo. Desde que não pisem no meu”.

Deixei o amigo Zé mais aliviado. Não é que ele tem razão?

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