A chegada da Prima Vera

O tempo anda castigando a gente.

Céu azul, poeira lambendo a estrada, a pastaria ressequida, e nada de a chuva assanhar-se pros lados de cá.

Era setembro chegando ao seu final. Faltavam alguns dias para o mês terminar.

Naquele pedacinho de chão, ermo, lugar esquecido por todos, salvo por aqueles que por lá moravam, uma rocinha perdida aonde quem chega em verdade equivocou-se da rota, de vez em quando aparece um incauto, perdido naquelas paragens, e logo retrocede, e volta estrada afora, morava um senhor, ali nascido, de nome Benedito.

Ele contava, segundo seus cálculos, com quase noventa primaveras. Só que não foi batizado. Por isso, acredito, que no cartório onde se registram nascimentos, em verdade Seu Benedito estaria beirando os cem.

Acostumado à lida da roça, mãos caludas, tez tostada pelo sol, Seu Benedito não regateava serviço.

Embora aposentado, desde tempos idos, aquele salarinho de fome não dava para as despesas.

Tinha às suas costas dois filhos desempregados. Viúvo, ai que saudades ele sentia da sua companheira de muitos anos. E como dona Margarida fazia falta.

Naquele restinho de inverno, com temperaturas que recordavam o verão, Seu Benedito não suportava aquele calorão.

Era tempo de arar a terra. Nela semear.

Todas as manhãs, por volta das cinco da madrugada, Seu Benedito olhava pro céu.

E nada de a chuva se mostrar. Repetia a lengalenga a cada dia. A azulice do céu continuava.

E cadê a cinzentice das nuvens? Ele se perguntava.

A espera da primavera era a única chance de voltar a chover. Eis que ela apontou de repente. Era setembro em seu final. Precisamente no dia vinte e um, dia da árvore, eis que na sua porta bateu uma prima vinda de longe. Quase não se lembrava do seu nome.

Ela veio espalhafatosamente vestida. Com um vestidinho todo enfeitado de mil cores. Assim que ela se apresentou, como uma aparentada esquecida pelos anos, veio-lhe à lembrança o seu nome.

Ela se chamava Vera. Prima Vera.

E como era bonita a tal Vera. Trazia flores em seus cabelos cacheados. Dona de um sorriso fácil. Mostrando uma dentadura perfeita.

Não houve como não deixar de hospedá-la. A prima Vera parecia coisa boa.

Uma semana se passou. Outra se sucedeu.

E a prima Vera não dava sinais de que iria embora.

Depois de um mês passado, a primavera estação adentrou ano adentro, eis que afinal a chuva começou. De repente.

Já a prima Vera continuou sem mostrar sinais de que iria ir embora. Parecia uma visita permanente.

Como era a única mulher naquela casinha modesta ela foi aceita sem muita resistência.

Se bem que ela fazia de tudo. Cozinhava, lavava a roupa da família, e lançava olhos gulosos em direção ao pacato Seu Benedito. Que não negava fogo.

Com o tempo passando, com as estações se sucedendo, a prima Vera não manifestava a intenção de se mudar dali.

Em verdade ela nunca mais se mudou. Passou a fazer parte da família. Ocupou o lugar destinado à querida e saudosa dona Margarida.

Seu Benedito, apaixonado pela prima, acabou se amasiando com ela. Não se casou por oposição dos filhos.

A chegada da prima Vera inseriu novas cores aquela rocinha perdida nos cafundós de Judas.

A partir de então a chuva voltou a cair. Os campos verdejaram. A safra foi melhor do que no ano passado.

Bendita primavera. Não aquela prima chegada num momento difícil. E sim a estação que dentro em breve vai chegar. Trazendo vida no seu rastro perfumado de cores. Exalando odores. Fertilizando o solo com suas gotas de chuva. Tão necessária nestes tempos secos.

Que venha a primavera. Que ela chegue esparramando noticias boas. É o que desejo a todos vocês. Neste dia vinte e um de setembro.

 

 

 

 

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