“Esquenta não! Já foi pior”!

Sempre me preocupei pra onde a vida me tem levado.

Já vivi mais da metade. Restam-me alguns anos a mais.

Nunca parei para pensar quantos anos mais me sobram. Sejam quantos forem jamais me desesperarei.

Vivo pensando no hoje. Embora o passado sempre me traga boas recordações.

Aqueles anos vividos ao lado dos meus pais foram os melhores da minha vida.

A minha infância perdida da mesma forma me encantou.

Já passei pela juventude. Pela adolescência.  Perdi anos e anos a pensar no que seria mais tarde. Foi quando me decidi por qual caminho enveredar-me.

Uma vez escolhida a medicina, nunca me arrependi. Até hoje penso que foi a escolha mais acertada da minha existência.

Escolhi, um dia, me casar. Tive filhos. Que me deram netos. Caso fosse escolher outro caminho seria o mesmo.  Sou feliz com as escolhas acertadas, embora os senões tenham existido, nesta caminhada tão longa, perambulando anos, até chegar a onde estou. A beira de completar mais um ano no próximo dezembro.

Sempre me apoquentei com o estado em que nosso país se encontra. Com esta crise que nos assombra.  Com a miséria que campeia em todo o cenário brasileiro. Com a subida dos preços sempre me apoquentei.

Preocupo-me com a escassez dos recursos hídricos. E como a chuva tarda a chegar.

Lucubro sobre a tal pandemia.  Embora já tenha me vacinado não abuso ao sair às ruas.

Passa-me à cabeça tantas mortes que tem ocorrido.  Quantas mais assistiremos?

Assaltam-me os pensamentos ao ver desempregados em busca de emprego. Como a crise tem interferido em nosso cotidiano.

Da mesma maneira tenho me preocupado com a alta crescente nos preços dos alimentos. Famílias inteiras passam necessidades.

Apoquenta-me sim, ao ver, na rua, bem cedo, trabalhadores irem e virem em busca de seus ganha pãos. Melhor seria se eles todos tivessem moradias decentes. E não precisassem pagar aluguel. Que lhes consome mais da metade da renda. Tão minguada nos dias de agora.

Noutro dia, era bem cedo, antes das seis, um cadinho, ao descer a rua, como sempre faço, deparei-me com um pedinte prestes a acordar.

Ele me olhou com olhos lacrimejantes. Fitou-me entre assustado e incrédulo.

Parei para saber de onde ele veio. Um pouco da sua história me interessava.

Seu nome era Pedro. Ainda jovem vivia nas ruas. Nunca conseguiu ser empregado.

Sem formação profissional Pedro teve uma infância sofrida. Filho de pais separados foi criado por uma tia-avó. Perdeu-se ainda cedo. Usou drogas na primeira infância. Aos dez anos tornou-se aviãozinho do tráfico.

Foi preso aos menos de dezoito anos. Passou dez longos anos no xilindró.

Hoje ele vive pelas ruas. Come o que lhe dão. Já passou fome. Agora mendiga pelas ruas da cidade.  Já não passa tantas necessidades. É feliz a sua maneira.  Sem lenço, nem documentos.  Dorme um sono pesado. Debaixo de um cobertor surrado. Não tem contas a pagar.

Naquele nosso breve colóquio demonstrei a ele minhas preocupações. Comentei sobre o preço da gasolina. Inclusive não deixei de lado a imensa legião dos desempregados.

Pedro ouviu-me atentamente.  Antes de nos despedirmos ainda ouvi dele esta expressão que me fez pensar: “quer mesmo saber? Esquenta não. Já foi pior.”

Desci a rua, em direção ao consultório, pensando na vida que tenho levado. Não teria o andarilho Pedro um cadinho de razão? Se falto com a verdade, por favor, emitam a sua opinião.

Deixe uma resposta