Hoje me veio à lembrança

Era bem cedo. Antes das seis da manhã.

O dia amanheceu iluminado. Sol a brilhar lá no alto. Um ventinho fresco mal dava conta de refrescar o dia.

Ao subir o morrinho empinado, aquela subidinha a qual faço todos os dias, do meu apartamento pra chegar ao prédio onde tenho o consultório, deparei-me com um cão negro, pelagem escura, vagando a esmo em busca de comida.

Ele aparentava ser bem tratado. Não mostrava sinais de abandono.  Deveria ter dono.  Alguma família por certo deveria estar procurando por ele.

O cão negro olhou-me de soslaio. Não fez menção de me acompanhar. Confesso ter tido vontade de saber de onde ele veio. Se de fato era um cão vadio ou teria alguma casa onde se abrigar.

Antes que tivesse tempo de saber-lhe a desdita ele me olhou com olhos inquiridores.  E a seguir subiu a rua em direção incerta.

Foi quando me assaltaram os pensamentos aquele cãozinho de raça, um Yorkshire fujão, de nome Willie, que morava na minha casa do bairro centenário.

Era um machinho endiabrado. Ao menor descuido ele se evadia pela fresta do portão.

Ainda me lembro delezinho filhote. Arredio, fujão, um cãozinho mal acostumado.

Por mais que tentasse ensiná-lo não havia como evitar aquelas manchas de xixi, esparramadas pela sala de visitas, já que ele não tinha lugar certo para dormir.

Willie era um cãozinho escapista. Não se sentia a vontade sendo um cãozinho de madame.

Um dia, quando me mudei de residência, fui ter mais acima, subimos a rua, em direção a um condomínio, levamos o Willie a tiracolo.

Ele não se sentiu à vontade naquele espaço recheado de verde. Onde murtas exalavam um indelével perfume.

Quantas e quantas vezes ele escapou pelo portão. E viralatou de vez.

Espalhei anúncios pelos jornais. Ofereci recompensas para quem me informasse o paradeiro do cãozinho Willie.

Uma só vez ele apareceu. Durou pouco a sua permanência entre nós.

Quase um ano se passou. Meses se despediram. Primaveras viraram verões. Outonos deixaram espaço para outros invernos frios.

Foi numa segunda-feira, esqueci-me de qual ano, o cãozinho fujão apareceu na mesma rua onde morava.

Mostrava uma pelagem recém-tosquiada. Sinais inequívocos de que fora adotado e mais uma vez escapou.

Ainda me lembro de quando o levei para a casa de meus pais. E a cada dia passava por ali. Naquela Rua Costa Pereira de tantas lembranças ternas.

Passava algumas horas tentando convencer Willie a voltar a morar junto comigo naquela casa do condomínio.  Mas ele se recusava peremptoriamente.

Foi num fim de tarde. Passei por alguns minutos na casa dos meus pais.

No mesmo instante em que abri o portão o danadinho escapou de vez. Nunca mais o vi.

Ele se decidiu viver nas ruas. Acabou viralatando em definitivo. Nem tive tempo de dizer adeus.

Hoje cedo, ao subir aquele morrinho empinado, que me traz ao consultório, deparei-me com aquele cão de pelagem escura.

Foi quando me veio à lembrança a o cãozinho Willie. Por onde ele estaria? Ainda perambula pelas ruas? Ou passou a ser mais um cãozinho no céu?

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