A manta do Zé Catira. Que por acaso sou eu

Desde quando comprei aquele pedacinho de chão, nas barbas da linda Ijaci, pensando que todo médico poderia ser fazendeiro, cometi um equívoco tamanho, que até hoje me faz lembrar de quantas mantas levei.

Não aquela manta que é usada debaixo de um arreio. Esta manta, da qual me refiro, é aqueloutra que a gente leva na cacunda, depois de um negocinho mal feito, quando se troca sapato de sola furada por uma botina novinha em folha. Ou até mesmo uma mulher em pleno viço dos anos por uma balzaquiana que já deu o que tinha e emprestou o que não possuía. E deixou-nos uma conta gorda a pagar até quando não se sabe o dia.

Fazer catira nunca foi o meu forte. Minha amada esposa sempre diz: “deixa o talão de cheque comigo. Você nunca foi afeito aos números. Deixa os negócios ao meu encargo. Você, sempre que faz compras, não sabe pechinchar. Enfileirar letras, sim, é o seu metier. Se palavras enchessem a barriga a sua estaria lotada de livros. A próxima vez que você me disser que vai editar mais um livro deixa que eu trato direto com a gráfica. Basta aqueles que ainda tem a vender. Se livro fosse mercadoria apreciada as livrarias estariam lotadas de gente interessada. E não é o que acontece em nosso país onde um ex-presidente, que ameaça se reeleger, Deus nos acuda, se vangloria de nunca ter posto as patas numa universidade. Como se fosse pecado acumular conhecimento desde quando se aprende a ler e escrever”.

Assim que adquiri a minha rocinha passei a tirar leite. Foi aí que aprendi que vaca não dá leite. Tem de tirar. E uma boa vaca come muito para que o tal produto, que emerge de suas tetas, é um leite branquinho mesmo escorrendo de uma vaca preta.

E, ao mesmo tempo em que leite sai do úbere, a boca da vaca, desprovida de dentes na parte de cima, nunca para de mastigar. E ela rumina constantemente. Não como a gente. Que costuma ruminar o prejuízo que a produção de leite pode dar.

Uma vez bem me lembro. Fui a um leilão chique nas cercanias de uma cidade vizinha a minha querida Ijaci. Lá fui na intenção de comprar uma ou duas vacas puras.

Embalado por uísque de boa qualidade fui comprando as melhores que o leiloeiro oferecia.

A tal vacona linda, de úberes que tocavam o chão, foi por mim arrematada em suaves prestações. Antes de pagar a metade das que restavam a vacona morreu. Não morreu de fome. E sim por desleixo do retireiro. Que deixava a pobre debaixo de um sol escaldante. Não fui ao enterro da vaca. Foi a primeira decepção que a nova profissão me ofereceu.

De catira mal feita as mantas se sucederam. Trocava duas lindas bezerras por uma vaca dita de boa produção leiteira. No entanto, quando a tal chegava ao meu curral, dos trinta litros de leite que diziam que ela dava, o safado do meu retireiro fazia queijo com o que sobrava. E eu só levava prejuízos. Ao cabo de menos de dois anos já devia a cooperativa mais do que as minhas vacas valiam.

Por pura teimosia persistia na lida de fazendeiro de final de semana.

Quando chegava o sábado, lá ia eu, todo cheio de esperança, pensando que as coisas iriam mudar.

Nada. Saía da boca desdentada do tal Dé, aquele do bonezinho furado, por onde um dia nasceu um pezinho de milho, era tempo de plantio, e a tal roça não vingou, somente noticias ruins.

“Sabe doutor. A sua égua foi pro brejo. E ela perdeu o potrinho. Pena que a sua mãe, a bela égua charreteira, na noite de trasanteontem acabou quebrando a perna traseira no mata-burro. Até agora os urubus rondam a sua carcaça. A espera do banquete de Natal. Se o senhor quiser trocá-la por uma mais nova tenho uma. Que vai lhe custar quase nadinha de nada. Tenho uma vaca boa de leite. Em sua troca lhe ofereço a égua e mais cinco mil reais”.

Não precisam pensar que fiz a tal catira. Esperei uma ocasião melhor. Catirei a égua morta por um bando de urubus. Foi a única e derradeira vez que não levei manta. E foi só.

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