“Mais do que grave, doutor. É gravidez mesmo”

Não restam dúvidas que a situação do país agrava-se cada vez mais.

A crise se mostra em cada quarteirão.

Não bastassem as enchentes que aconteceram no mês de janeiro, provocando alagamentos, deixando famílias inteiras ao desabrigo, a fome atormenta e cresce na mesma proporção da miséria que infelizmente comprova-se ao caminhar pelas ruas.

Pedintes esmolam nas calçadas. Bêbados estendem seus corpos no meio do caminho por onde passamos. À porta dos bancos sem tetos abrem-nos as portas. Enquanto para eles outras portas se fecham.

Jovens, oriundos de outras paragens, fazem malabares nos semáforos.

Nas grandes cidades desempregados famintos dormem em barracas improvisadas no meio de praças. Drogados não mais escondem o vicio. E ainda tem quem os municiem das drogas. Um crime hediondo que deveria ser punido com o rigor da lei.

Com o calor que tem feito até que deveria ser prazeroso dormir ao relento. Mas eles, pobres irmãos, gente como a gente, só com menos oportunidades de trabalho, sem estudos, passam a vida inteira esmolando, mendigando, como se fossem cães vadios vivendo do resto das sobras.

Quase todas as noites vislumbro, pelo noticiário televiso, na maior cidade do pais, terra de endinheirados, pessoas tentando dormir em barracas, seja nas praças, debaixo de viadutos, sujeitos a alagamentos quando chove, a intempéries do clima quando esfria, tentando enganar a fome se alimentando precariamente nas portas de restaurantes, comendo restos do lixo, como se fossem iguarias finas.

Esta disparidade avilta-me os sentimentos. Pena que quase nada posso fazer para atenuar o status quo.

Por sorte deles em nosso amado e idolatrado Brasil existem pessoas solidárias. E como admiro os voluntários que ajudam a mitigar-lhes a fome. Distribuindo marmitex no meio daquela horda de famintos. Que recebem a comida com lágrimas nos olhos.

Um dia destes observei uma cena, quando um repórter entrevistou, num programa sensacionalista, ao qual assisto ao cair das tardes, quando chego da academia, por volta da cinco horas, estende-se até quase sete e meia, uma cena que me fez pensar neste texto de hoje cedo.

Era uma tarde quente. De uma sexta-feira meados do mês de janeiro.

No meio de uma pracinha morava uma familia inteira. Era pai, mulher, e três filhos menores.

Uma barraca improvisada servia-lhes de abrigo. Ali passavam dias e noites. Não sei de onde vieram. Soube, durante a entrevista, que o pai desempregado, a mãe vendia balas num semáforo, acompanhada dos três filhos.

Chegavam a moradia com uma fome de fazer doer a barriga.

E nada tinham de dar de comer aos pobres meninos.

O pai revirava um lixão. Dali trazia o que podia aproveitar. E era pouco para saciar a fome dos filhos.

A pobre mãe, grávida novamente, exibia um barrigão prestes a explodir expelindo mais uma cria.

Se parisse naquele momento não teria pra onde recorrer. Já que não tinha nem ao menos um plano de saúde que a pudesse amparar.

O entrevistador, usando máscara talvez com receio de se contaminar pela miséria, durante a entrevista, perguntou, a pobre mulher, prestes a gerar mais uma criança, fazer engordar a pobreza que viviam: “a situação é grave. Como vocês sobrevivem nesta vida miserável? Onde se alimentam? Como tomam banho. Concordam comigo”?

A mulher respondeu quase monossilabicamente: “mais do que grave, doutor, é gravidez mesmo. Quase dando a luz na escuridão em que vivemos”.

 

 

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