Pai? Falar o quê?

Ontem, de volta do cinema, sempre caminhando, passando pelo bairro Centenário, onde residi, e, numa casinha, herança de meu saudoso pai, agora bastante modificada, no andar enterrado, sub solo, parei.

Com meu celular fotografei. As luzes estavam acesas. Não tive coragem de interfonar.

Caso contrário, a pessoa que agora ali residi, dada à hora avançada, poderia chamar a polícia. E, ao invés de reencontrar meu pai, posso ser encarcerado, jogado entre barras. Embora a saudade que dele sinto não tem como olvidá-la.

Já bem perto da Unilavras, antes de descer pela avenida, um senhor, caminhando lentamente, com uma mochila às costas, me chamou de doutor.

Pensei ser um velho conhecido. Ou até mesmo um amigo chegado. A sua aparência, descuidada, maltratada, envelhecida prematuramente, me fez parar um cadinho.

O relógio, no meu punho esquerdo, mostrava quase nove horas da noite. Céu escuro. Não pude ver nenhuma estrelinha no céu. Quem sabe uma delas pudesse ser meus pais a acenarem em minha direção. Quem saberia me dizer?

O velho senhor, com o qual me encontrei ontem a noite, achegou-se a mim. Cumprimentou-me com suas mãos ásperas. Não lhe recusei o cumprimento.

E a ele inquiri a razão de me ter chamado de doutor.

Ele simplesmente abriu seus lábios ressequidos, pois fazia um certo frio, e me pediu, encarecidamente, exatamente essa frase de agora: “estou faminto. Posso lhe pedir uma ajuda”?

Naquela hora tardia, depois de nossa conversa curta, entre assustadiço e condoído por sua situação aflitiva, e sua humildade, não me lembrei de que trazia uma carteira no bolso da minha calça. Ainda me penitencio por não ter atendido a sua súplica. Simplesmente segui adiante. E encontrei a minha esposa sonolenta. Prestes a dormir de tão cansada que se mostrava.

Pai? Falar o quê?

Neste quatorze de agosto, data próxima ao seu aniversário, se ele estivesse aqui, juntinho ao seu filho mais idoso, quem sabe ele estaria a corrigir, ou a inspirar, com sua proverbial cultura, mais uma crônica de minha lavra. Ou, melhor ainda, poder abraçá-lo, carinhosamente, olhar em seus olhos, e dizer o quanto ainda o amo.

Pai? Falar o quê? Se tantas e tantas vezes o senhor, já enfermo, não pude ajudar a minha querida mãezinha a soerguê-lo do chuveiro, quando o senhor, já sem forças em suas pernas, não conseguia sequer se equilibrar de novo.

Meu pai, falar o quê, se me faltam vocábulos para adjetivá-lo por inteiro.

O senhor, pessoa admirada, considerada, por todos aqueles que porventura tiveram a felicidade de tê-lo, não só como amigo. Bem como ter sido seu cliente naquela casa bancária onde o senhor veio a se aposentar, não por completo, pois bem me recordo de suas palavras sábias: “não se aposente nunca, meu filho. O ócio é o começo do fim”.

Falar o quê? Sobre o senhor. Cidadão prestante e prestativo, bancário que só não foi mais longe na sua caminhada como gerente, por causa do amor irrestrito por sua filha Rosinha. Com que carinho a acarinhava. Embora, quando o senhor e minha mãe ainda viviam, minha querida Rosinha, em seus momentos de fúria, costumava agredi-los. E vocês nada faziam para impedir tal ato tresloucado.

Meu pai. Não tenho palavras, embora conheça um montão delas, para dizer o quanto foi maravilhoso observar, naquela velha máquina de escrever, a qual hoje descansa na minha casa na roça, onde o senhor datilografava as suas petições corretas. Em defesas de suas causas nem sempre vencedoras. Apesar de que, o senhor, na minha concepção, seja um vencedor tanto na vida quanto aí em cima. Ao lado de Deus pai, nosso salvador.

Pai, hoje, quatorze do mês agosto, a contragosto, não tenho como revê-lo novamente.

E como apreciaria levá-lo, na minha pratinha valente, à minha rocinha encantada. Vê-lo retirar daquele laguinho, onde o senhor foi só uma vezinha comigo, em anos longínquos que nem me lembro mais, pescar. E, daquela água barrenta, não de lama, e sim de saudades tantas, não retirou nenhures lambarizinhos, ou tilapinhas fujonas, embora tenha tentado tanto.

Pai, falar o quê, do senhor? Que tantos exemplos dignificantes nos deixou. A mim e ao meu irmão Fred Ozanam.

Faltam-me palavras, versos, poemas, discursos inflamados e emocionados.

Qualquer coisa que eu dissesse, tanto em verso, em prosa, quem sou eu, com minha prosa insossa, a fazer frente à imagem magnífica que nesse retrato, em preto e branco, tenho, à minha mão direita, do computador onde escrevo, estas bem traçadas linhas, nesta data, neste domingo de inverno, com este céu azul. E com o sol brilhando, como o seu brilho que nunca irá se apagar da minha vida.

Meu saudoso e inesquecível pai.

Qualquer coisa que eu falar, de você, ou sobre você mesmo, serão palavrinhas escritas em minúsculo. E, o senhor é um PAULO JOSÉ DE ABREU, maiúscula pessoa.

Meu pai. Não vou me estender muito mais. Basta. Não de sentir saudades.

E sim jamais me esquecerei, o quanto bem vossa pessoa me fez.

 

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