A minha roça é um encanto. Só que desencantos rondam o meu paraíso

Não sou muito crédulo em acreditar no azar. A sorte somos nós que a procuramos.

Da mesma maneira que a fortuna nos bafeja. Desde que não fiquemos assentados, comodamente, a um banco da praça, proseando com amigos, a espera de tempos melhores, e menos sombrios.

Assim como não me sobe à cabeça a crendice em superstições e mandingas.

Quando vejo, numa encruzilhada, um despacho, como tantas vezes vi, lá no alto do morro, antes de passar pela porteira sempre aberta, uma garrafa de canjibrina, um frango preto, mais parece um urubu, flores mortas dentro de um vaso sem água, paro a minha égua, a mesma que foi ferida por um bandido que não se apresenta, um covarde qualquer, não creio ter sido um predador do mato, e sim um sujeito raivoso, que odeia animais, tido irracionais, quando em verdade se trata dele mesmo, a beira do mesmo despacho, ou macumba, como queiram, abro a garrafa de pinga, em verdade era cachacinha da melhor que já experimentei, depeno o frango preto, levo pra minha casinha amarelazul, ponho na panela onde a gordura ferve, e janto o mesmo frango, frito, com quiabo e angu.

Não me acho um avisgourento. Ou, até mesmo um azarão. Não costumo apostar em corrida de cavalos. Nunca vi um jóquei, pequenininho, tal e qual um pintor de rodapé naniquinho, de cócoras ou assentado num banquinho sem os quatro pés, ganhar um derby qualquer, montado num garanhão castrado, vencer uma carreira.

Creio mesmo que eu, já que comecei a correr, depois ter sido operado de hérnia inguinal, há menos de dois meses, quase um inteiro, trotando lentamente, pelas estradas asfaltentas ou empoeiradas, consiga chegar à frente daquela cavalhada, a mais de duzentas cabeças, na tal corrida de um jóquei clube qualquer.

Como todos sabem tenho uma rocinha, antes prejuizenta, no município da bela e hospitaleira Ijaci.

Já passaram por lá uma infinidade de retireiros. Figuras dinossáuricas. Quase extintas.

Por ordem de chegada cito: Custódio, notícia ruim, Zé da Mula, que amava asnos e ululantes, Vaguinho vindo de Itutinga, que me deixou por não termos combinado o salário, o Adelson, nascido e criado ali pertinho, depois foi a vez do Leandro, hábil marceneiro, agora parece que ele emendou do vício de drogas, oxalá; por último, se não me falha a memória, foi o Dé da Juliana, aquele que não tirava o bonezinho furado da carequinha escura e  luzidia, por onde nasceu um pezinho de milho, e, graças ao bom papai do céu, agora cuida da minha propriedade nanica o amigo Roberto, pai de quatro jovens maravilhosos, entre eles não poderia deixar de citar o Binho, garoto trabalhador e valente, que não tem medo de nada, a não ser de altura.

Parecia que a sorte, ou a fortuna, jamais iria me abandonar. Até fiz outro despacho, ou mandinga.

Ao invés de deixar na encruzilhada o mesmo frango de macumba preto, troquei a garrafa de cachaça por uma de uísque mais velho do que eu, as flores murchas foram substituídas por minha Rosa flor mulher, pensando que os dias de azar fossem banidos das minhas lembranças.

Parece que ainda não foi desta vez.

Tudo começou com minha outra égua metendo as patas num mata-burro. Era uma égua marchadeira. A qual, quando menos esperava, deu à luz a uma filha pampa, melhor cavalgadura que já possuí.

E elazinha me deu de presente quatro animais perfeitos. O primeiro deles foi o Theo. Nome do meu netinho de mais idade. A segunda a nascer foi uma potra pampinha como a mãe. E ela acabou falecendo por picada de cobra no focinho. Outro filho da mesma mãe nasceu. Era um potrinho maravilhoso. Tinto em duas cores predominantes – preto e branquinho. Só que, por um descuido, os tais carrapatinhos chamados micuins, adentraram orelha adentro e a fizeram murchar. E como ele era bravo foi vendido por um preço mixuruca.

Agora só resta a égua ex garota, comprada de um tal Marcelo, metido a pião, que nem sabe rodopiar, e morre de medo dos tais carrapatinhos, e uma outra, comprada do seu primo Celso, marchadeira e ainda não completamente domada, a qual já veio batizada como Sandrelle.

Talvez mude seu nome para Marcela. Em justa homenagem ao meu novo sócio, o mesmo Marcelo, jubilado da UFLA. Por injusto merecimento. Já que ele foi aposentado antes do tempo. Em verdade nunca trabalhou.

Naquela mesma rocinha encantada, a qual tento desencantar dos seus males, dos seus azares, já passaram muitos cães.

O primeiro foi o Paulo Rosa Um. Que morreu na tulha, infestada de ratazanas graúdas, por ter comido uma delas envenenadas por chumbinho.

O segundo, batizado por Paulo Du Rosa, personagem chave do meu romance Madest, desapareceu pra sempre. Hoje não sei por onde ele anda. Se viralatou por Ijaci, como a Laika Rosa, da mesma raça, Border Collie, ou se foi morar no céu. A pastorear o rebanho dos anjos e querubins.

Ai que saudades do amigo Del Rey. Um pastor alemão que não sabia falar alemão. Mas era um amor de pessoa. Meu amigo fiel. Que, há meses parcos foi encontrado, por mim, mortinho debaixo de bagaços de cana, na fazenda do amigo juiz, Jaziel Carvalho, que, infelizmente já sucumbiu e avoou aos céus.

Penso não me ter esquecido de nenhures amigos que, porventura, ou desventura, tenham falecido. Isso sem contar as vacas que perderam a vida e ainda são vistas, suas ossadas brancas, num cemitério feito por urubus à beira da represa do Funil.

Nos dias de agora, prestes a desfrutar, da minha morada linda, alcunhada de Solar Paulo da Rosa, lá somente tenho encontrado pepinos. E como detesto esse legume. E como a minha amada Rosa ama descascá-los e solucioná-los.

É aquelezinho lugar que amo tanto. Se pedem pra que eu venda aquele pedacinho de paraíso não vendo, nem troco, não doou.

A minha rocinha é um encanto. E, quando eu poderei livrá-la dos mal quebrantos?

Espero em poucos anos, melhor dias, horas, minutos, segundos.

Antes que eu apodreça, numa cova escura, privado de ver a luz do sol…

 

 

 

 

 

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