Urologia

Paulo RodarteDe todas as especialidades médicas talvez seja a que goze de pior fama. Uma reputação de indecorosa, invasora, estupradora, alimentadora de estímulos pouco viris.

A especialidade do dedo, por meio de um dedo enxerido, geralmente o indicador da mão direita ou esquerda, deve, a partir dos quarenta e cinco, ou menos, quando existem sintomas, ou nos nascidos de parentes com câncer de próstata, o paciente deve ser examinado antes. Entretanto a Urologia não justifica o triste destino que a ela apregoam.

A tal próstata, pomo de Adão da especialidade, azar do macho, fica a um toque de dedo no reto, um caminho incômodo e escondido, tido por muitos como porta de saída, jamais de entrada. Antigamente era pior. Agora, de tanto a mídia botar a boca no trombone, o homem ficou mais passivo, ajuizado, e se deixa ver no lugar tão proibitivo.

Fica de quatro, com as pernas arqueadas, esperando contrito a hora de se deixar examinar. O tal exame nauseabundo não dura mais que um minuto. E a dor, ao contrário do que dela alardeiam, fica apenas no subconsciente do pobre macho acima dos quarenta. A saída para a cura é a prevenção, quase um samba-canção, um canto de cisne cheio de esperança, e não atrai gavião. Um exame bem feito talvez pegue o doente contrafeito, com medo da posição. No entanto, o tal dedo famoso não é tão obeso como sói parecer. E ele é lubrificado por uma luva que não pode se romper. Como não se deve romper a relação médico paciente. No momento do exame, um nódulo, uma região endurecida, o aspecto da glândula pode levar tudo a ganhar: ao paciente. Depois o exame pode ser conferido por outro colega. Nada contra as segundas ou terceiras opiniões.

O exame de sangue, de nome PSA, deve ser interpretado à luz da lua nova.

Brinquedo. À luz da experiência do Urologista. Profissional treinado, bem treinado. O exame de sangue serve de muleta ao toque. Não como apoio principal. Tem muito urologista que se sente capaz do auto-exame. Tarefa inglória, pois, ninguém melhor do que o próprio colega para meter o mesmo dedo no lugar nada simpático. Dizem que chumbo trocado não dói.

A Urologia trata da próstata. E não da hemorroida, como muitos confundem. A especialidade cuida ainda dos rins e seus canais de escoamento. Ante seus tumores, dilatações, e as contornáveis pedras no caminho. Cálculo renal dói pra valer e pode lesar os rins, em número de dois. Quem tem dois é mais feliz. Os ureteres, canalículos finos, elásticos, bons meninos, sofrem a passagem das pedras nos seus caminhos. Eles se exibem em três partes principais. O mais alto, superior, o médio, e o de baixo, onde as pedras encalham, como encalham livros no Brasil.

A uretra, imersa funda no assoalho genital, tem três seguimentos: o posterior, morada da próstata, a do meio, em curva, e a final, sede das doenças sexualmente transmissíveis. A Urologia trata ainda das disfunções sexuais, assunto complexo, que pode ser contemporizado a dois. Ou três, quando o andrologista entra na dança, mesmo sem saber dançar.

Outra atribuição da Urologia são os distúrbios da fertilidade, do macho, bom que se diga. Ela é derivada da Cirurgia, ao revés da Nefrologia, congênere que cuida das doenças clínicas do rim. Inclusive a Insuficiência Renal.

O candidato a Urologista deve passar dois anos pela cirurgia geral. Mais três na especialidade, que cada vez mais se aperfeiçoa, e avoa nas máquinas infernais.

É dinâmica cientifica descobrirem-se recursos, menos invasivos, os quais devem se provar eficientes sob o crivo do tempo.

Cinco anos são vencidos. Dois em cirurgia, três nas asas do dedo do especialista em toque. O urologista deve saber trafegar com segurança pelos caminhos tortuosos da cirurgia do cálculo renal, ser capaz de removê-los através de aparelhos que percorrem caminhos estreitos e sensíveis à dor, escuros, ir ao rim com desenvoltura, fragmentar cálculos com laser ou ultrassom, ou apreendê-los com cuidado extremado, para não lesar a parte mais fraca, as vias urinárias, vitais ao funcionamento do ser humano como um todo.

Ainda como parte da sua sina, o Urologista deve saber tratar a criança quando ela urina na cama, saber se a enurese tem implicações orgânicas ou psíquicas, e precisa aprender bons modos. Deve entender de malformações congênitas, saber operar os defeitos de posição da uretra, complicações complexas, que têm na precocidade do tratamento a alegria do pequeno enfermo. Os testículos retidos devem ser convenientemente tratados. Daí a continuação da espécie.

A fimose, mais tarde a vasectomia, são outros filhos da arte da Urologia. Nunca será demais lembrar da importância do perfeito esclarecimento sobre a vasectomia. Existe para essa pequena operação um termo de responsabilidade.

A Urologia deve trafegar por mares nunca dantes navegados, ir com critério e responsabilidade pela disfunção erétil, sem, entretanto, mostrar ao mundo a dura inconfidência. Deve saber operar milagres sem contar o nome do santo. O transplante de rim pode devolver o sorriso mesmo à banguelice dos banguelas. Deve, ainda, não bastante tantas incumbências, saber ver sob as lentes de um microscópio poderoso, realizando as microcirurgias. Não é demais recordar que os deferentes seccionados podem desejar ser revitalizados de novo. Uma união recente pede a volta da fertilidade.
O profissional do dedo em riste deve conhecer e ser parceiro das mazelas do sexo. Ser confidente, amistoso, seguro, afável, como todo esculapio deve ser.

Deve ainda saber dizer: “não”!, quando a Litotripsia Extracorpórea não é o melhor caminho para o tratamento das pedras. Para não onerar ainda mais o bolso sofrido do já combalido portador de cálculos renais. Deve pelo menos informar-se sobre a Laparoscopia. De onde se opera através de buraquinhos, apetrechados em lentes e instrumentos poderosos, que só faltam fazer chover no molhado de uma cavidade iluminada. Deve conhecer a Cirurgia de Banco, que conserta o rim doente, e o devolve reparado pra onde foi retirado. Deve consolar não apenas a família, bem como o paciente, quando a operação não foi realizada em tempo oportuno. Agora ela se espalhou como fogo na relva seca, encaminhando-o ao Oncologista, seu parceiro, não rival. Outros recursos existem para tais tumores da próstata: radioterapia, quimio, e a braquiterapia.

E, sobretudo, apesar de conhecer as últimas conquistas da modernidade, nunca deixar o velho bisturi no sótão do olvido. Quem opera pode operar milagres, e conduzir o motivo de tanto desvelo, o enfermo, a um final feliz.

Como disse e passo adiante: o Urologista leva anos para ser forjado. E quando o jovem profissional leva a sério o seu combate, que aos fracos abate, o porvir vai ser um retumbante sucesso. Que apenas aos bravos, aos fortes, deixando aos doentes a sua mensagem, de, se não conseguirem a cura, pelo menos lhes sobre a alegria da tentativa gloriosa, de o profissional das mazelas, esclarecidas acima, dizer, meu muito obrigado.