Através dele penso voltar no tempo

Tenho feito de tudo para rejuvenescer.

Andar sempre pelas próprias pernas. Aprender com o que a vida me ensina. Convivo com gente mais jovem. E como aprendo com os meninos.

Ao fim da tarde, quando o sol aquece a terra, daqui do meu consultório, onde o médico se confunde com o escritor, de rotina passo horas deliciosas numa academia.

Ali me esbaldo. Corro como um desvairado numa esteira que rola sempre. Depois de quase uma hora, quando o suor escorre em bicas pela face, ainda lisa, poucas rugas passarinham dentro dela, faço com que aqueles aparelhos que tornam nossos músculos rijos trabalhem mais ainda. A seguir vou à piscina de águas aquecidas nestes tempos frios. Ali nado um cadinho. Sempre entre jovens, que bem poderiam ser meus netos.

Sempre impulsionado pelas pernas fortes subo aquela rua de tantas lembranças ternas. A seguir outro morro empinado me espera. A subida por aquela rua, antes conhecida por Rua do Mirante, não dura mais que alguns segundos.

É quando outra tarefa agradabilíssima me aguarda. Pra mim é a melhor parte do dia.

Ali, naquele apartamento de construção recente, que daqui se avista, pelos fundos, é onde mora meu primeiro neto. Theo é assaz conhecido na minha cidade. Garoto lourinho, cabelos encaracolados, sorriso maroto, sapeca e peralta, dizem que muito parecido ao avô, quando naqueles verdes anos da minha meninice.

Ali passo cerca de uma hora, se tanto, acompanhando-o em suas traquinagens. Assento-me ao lado dele. Brinco como se fosse um meninozinho. Sua mãe por vezes me recomenda: “pai, não deixe o Theo se aproximar daquela janela. Ele pode pensar que é um passarinho. E dali sair voando como uma avezinha sem asas preparadas para empreender outros voos”.

E logo respondo: “não se preocupe minha filha. Caso meu neto voar, vou junto a ele. Certamente nós dois iremos conseguir atingir alturas imensas. Graças ao nosso pensar menino. Tudo vai dar certo. Da mesma forma que vigio o Theo criança, alguém não vai se descuidar de nós dois”.

Com um aperto no peito me despeço do Theo. Caso pudesse dormir junto a ele por certo o faria. Pois, bem sei, que através dele, e por ele conseguirei voltar no tempo, nem que seja em sonhos primaveris.

O mês de julho ameaça terminar. As férias escolares estão no seu apogeu.

Logo as crianças voltarão à escola. Com suas mochilas às costas. Carregando sonhos dentro delas.

E quem vai começar a estudar? Theo, um dia destes, foi levado ao mesmo colégio onde estudei, naqueles anos quando o menino que morava em mim ainda vivia.

Ele, acompanhado por sua mãe, foi comprar o mesmo uniforme verde mata. O mesmo que seu avô usava em tempos passados.

Quando meu neto entrar por aqueles portões entrarei junto a ele. Não sei se me permitirão tal ousadia. Mas, caso não conseguir irei me esconder dentro da sua mochila. Ou dentro de uma merendeira da cor da que foi minha.

Amanhã, depois de depois de amanhã, quando meu netinho querido começar a estudar, ele tem apenas dois aninhos, recomeçarei tudo de novo.

É a única forma que aprendi a reviver minha infância perdida.

Através dele, juntinho a ele, me iludo. Quem sabe, pelas asas da imaginação, ao ver o Theo entrar na mesma escola onde aprendi as primeiras letras, consiga voltar no tempo.

Agora são quase sete horas da manhã. Julho quase finda.

Bem sei que voltar no tempo é missão impossível. Mas, como sonhar não é pecado, volto nos anos junto ao Theo. Com a mesma mochila cheia de livros. Com aqueles cadernos de pauta dupla. Onde deixava escrito meus garranchos. E todo aprendizado que um dia me foi passado.

Hoje estou sessenta e oito. Amanhã, dezembro, mais um desaniversario coleciono.

Quantos anos mais advirão? Tomara muitos.

Em agosto, daqui a alguns dias, Theo vai começar a mesma trilha por onde passei. Não sei se darei conta de acompanhá-lo. Mas, por certo, enquanto tiver saúde, e discernimento, ao lado dele, e de outros netos estarei. É a única maneira que descobri, de não deixar que o tempo escoe tão rápido. Por quanto tempo? Ainda não sei.

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