Dentro da cerração da minhalma

Dias cinzentos fazem-me turvar a alma.

Como aprecio ver o sol. O clarume das manhãs. O despertar risonho de um novo dia.

Alegro-me ao ver os pássaros cantarem. O céu azular. A criança acordar.

No entanto, no dia de hoje, onze de junho, nada se vê além do cinza que encobre tudo. Uma neblina densa empapa-nos a visão.

Dias assim me fazem encobrir por dentro toda a alegria que um novo dia deveria trazer. Sinto-me turvo, como o dia se apresenta.  Por dentro aperta-me um enorme constrangimento. Tomara o sol brilhe no decorrer de um novo dia. Somente assim deve retornar dentro de mim a alegria de viver.

Em dias como este, nem bem o inverno teve o seu começo, o outono ainda se despede, friamente, tomo-me de enorme nostalgia.

Uma tristeza inexplicável, já que tudo tenho para ser alegre, sem querer corrói-me as entranhas.

Uma sensação indefinidamente conturbada. Própria de quem tem por dentro uma gama enorme de sentimentos.

Tomara o sol brilhe mais tarde. Neste exato momento, antes das sete da manhã, como de hábito acordo cedo, na intenção de escrever, nada se observa além da linha do horizonte.

Apenas nuvens densas. Uma cerração cinzenta. E nada mais.

Poucos madrugões se atrevem a sair às ruas. Um ou outro gato pingado. Um trabalhador apressado. Um estudante atrasado em busca do saber.

Pra mim é a melhor hora para deitar pra fora o que me aperta o cerne. Aqui me encontro só. O prédio ainda está vazio. Mantenho a porta fechada. No entanto, aqui dentro, minhalma se abre. Tenho absoluta necessidade de desvendar todo o sentimento que me martela compulsivamente. Caso não extravase todo o meu ressentimento não sei o que seria de mim.

Acordo ao despertar do dia. Passo a noite curta tentando dormir. Tenho medo da noite. Na idade em que me encontro penso ser um desperdício de tempo passar oito horas de olhos fechados. Tentando sonhar. Sonhos não mais fazem parte de mim. Penso aproveitar ao máximo todas as horas do dia. A noite não foi feita para os velhos. Pois eles, entre os quais me incluo, podem deixar a vida passar durante a negritude da noite. E não mais acordar no dia seguinte.

Nestes dias nublados acordo pensando no sol. Na azulice do céu. No frescor do orvalho. Na geada que por certo caiu nos campos da roça.

Dias nublados deveriam ser banidos. No meu entender de sonhador.

Alegro-me com a presença da claridade. Sou pleno de sol. Tenho a alma carente de luminosidade.

No entanto, dentro da minha incoerente insensatez, por vezes dias cinzentos me inspiram nostalgicamente. E, daqui de dentro, da minha alma carente, em dias como este perco o desejo de viver.

Dentro da cerração de minhalma urge deitar pra fora a angústia de não ver o sol.

Tomara, mais tarde, no deitar do meio dia, o sol de novo apareça. As nuvens se desfaçam. A azulice do céu se mostre. Para que eu, dentro da cerração de minhalma, me convença de que vale a pena viver.

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