Tempos difíceis estamos passando.
Em plena primavera, outubro finalizando, cadê a chuva tão esperada, o sol brilha forte esturricando a pastaria.
Não bastante a pandemia, que ainda se alastra pelo mundo inteiro, a crise mostra seus dentes afiados.
Nas prateleiras dos supermercados os preços andam pela hora da morte.
E por falar nela como ela tem assombrado o pobre Zé Pitimba.
Na semana passada morreu, atolada no brejo da desesperança morta, a melhor vaca do curral.
Infeliz da Braúna! A pobre, recém-parida, de uma linda bezerrinha, acabou atolando num charco alagadiço. Acreditem: foi a saracurinha quem deu a noticia. Toda serelepe, avoando baixo, esbaforida pelo acontecimento fúnebre.
Zé Pitimba, naquela manhã bem cedo, nem fechou os olhos durante a noite. Apesar da alta dose de um remédio de tarja preta que desta vez não funcionou a contento.
Embora o preço do leite naquela primavera tenha sido vantajoso, em contrapartida os insumos subiram como rojões nas festas juninas.
A soja subiu às alturas. A roça de milho não cresceu. A chuva, tão esperada, não desceu dos céus como previsto. A terra ressequida carecia de chuva.
Outubro fechou os olhos. Adentrou novembro. E nada de chuva a enverdecer a pastaria.
Zé, a cada dia, perdia os cabelos que ainda tinha. Orava ao deus das vacas. Fazia orações a todos os santos nos quais acreditava.
A promissória do banco venceria no começo do mês. E como paga as duplicatas? Nada mais restava na sua conta bancária a não ser os juros e correção monetária.
Foi numa segunda-feira que o pobre Zé decidiu ir à cidade. Depois da ordenha da manhã lá se foi o Zé de carona o caminhão leiteiro.
No meio do caminho o motorista percebeu, numa curva da estrada, que seu caminhão perdeu a velocidade. E foi comprovado mais um acidente de percurso. Os pneus dianteiros estavam murchos. Dois deles furaram num prego de um mata-burro.
Zé continuou a pé até o destino final. Era quase feriado nacional.
Ao chegar ao banco, onde pretendia outro empréstimo, para saldar a dívida vencida, uma longa fila o esperava.
Eram os pretendentes a um ajuda do governo. O tal auxilio emergencial.
Depois de três horas de espera, de ter de comprar uma máscara de um ambulante, que custou os olhos da cara, e era de segunda mão, afinal chegou a vez do pobre Zé Pitimba.
Era hora do almoço. A barriga do Zé roncava esfomeada.
Depois de passar pela porta giratória, não sem antes despejar o celular, o gerente o atendeu com ares de poucos amigos.
Não foi preciso lembrá-lo das prestações vencidas. Dos juros altos. Da dívida que não tinha condições de pagar.
Zé deixou a casa bancária com a mão na frente e a outro do outro lado. Contrafeito. Com a cabeça girando como a mesma porta por onde havia passado.
Voltou a roça pensando em mudar de vida. Fazer o quê? Não tinha outra formação profissional a não ser aquela de cuidar dos animais.
Acabou por vender a propriedade. A um preço pra lá de camarada.
Recebeu por ela um cheque que voltou depois de um mês inteiro. Sem fundos. Mais furado que a sola de sua botina gasta.
Naquela sexta-feira, começo de novembro, encontrei o pobre Zé vendendo balas num semáforo.
Ele, desconsolado, confidenciou-me que tudo que tinha foi pelos ares.
Infeliz do Zé Pitimba. Mais um que foi levado à bancarrota, nestes dias atribulados.