O dia em que o palhaço chorou

Lonas esticadas. Picadeiro armado. Toda a trupe pronta ao espetáculo dessa noite.

O circo chegou à cidade ainda madrugada.

Havia sido um fiasco sua estada na cidade anterior. Como de costume tem sido nos últimos tempos.

Desde que proibiram a exibição de animais vivos em casas circenses o público tem deixado de comparecer.

Não sei bem a razão. Apregoam, os defensores de animais, que eles eram maltratados. Recebiam, nos seus treinamentos, ferroadas nos seus corpos. E eram tratados como bestas feras que não eram. E, desde tempos idos não mais se vêem elefantes no picadeiro. Leões foram enxotados e hoje enfeitam zoológicos à mercê de olhares curiosos de visitantes.

Naquela noite o circo chegou à cidade.

Um comboio ruidoso fazia passeata pelas ruas ainda desertas anunciando o espetáculo que teria começo às dezenove horas.

Um palhaço, estrela do circo, ia à frente fazendo malabares.

Todo vestido à caráter. Uma roupa listrada. Uma touca colorida que recobria uma peruca decerto herança de uma balzaquiana que um dia fez parte da trupe. Um narigão vermelho pontudo como se fosse um Pinóquio mentiroso que só dizia inverdades. Nos pés um sapato furado na sola. Que deixava entrever uma meia que em nada se parecia ter sido lavada algum dia.

Os personagens circenses desfilavam sob olhares de escárnio de uma população descrente dos espetáculos. Já que o circo nos tempos de agora não mais exibe a mesma magia de quando dantes.

De lona armada. Graças ao esforço hercúleo dos próprios participantes. Já que não tinham como pagar trabalhadores desempregados. Como eles mesmos já se sentiam.

À espera da abertura da bilheteria. Ávidos por verem filas enormes a comprar ingresso. Quem diz que apareceu alguém?

Na primeira fila nenhures se apresentou. Na segunda repetiu-se o fiasco.

Na derradeira fileira assentou-se uma criança acompanhada da mãe.

Naquela estréia foi só. E mais ninguém.

O vendedor de maçã do amor ficou em desamor. O pipoqueiro desistiu de fazer pipoca.

Mas o espetáculo deveria começar. O mestre de cerimônia, que era o dono do circo, de megafone em punho, agradeceu a presença de quase ninguém.

Foi a vez do palhaço de nome Alegria. Que naquela noite disfarçava a tristeza tentando encobrir as lágrimas que lhe desfaziam a maquiagem.

O espetáculo terminou sem nem ter começado.

Foi quando entrei pela porta principal daquele circo mambembe.

A arrecadação tinha sido uma lástima que mal cobria a despesa. Como tem sido desde quase sempre.

Naquela noite o palhaço Alegria chorou. Na tentativa inglória de consolá-lo chorei eu.

 

 

 

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