Foi quando pensei

A chuva tão esperada acabou de descer as escadas longas de aqui ao céu. Ela chega em pingos finos, descendo lentamente, a fazer com que, nós, urbanos, ao nos levantarmos cedo, constatarmos, olhos em êxtase, o quanto o asfalto se tintou em mais negro, o quão as calçadas ficaram mais limpas, o quanto as pessoas que andam pelas ruas, aguardachuvadas, pensam em mil coisas. Para elas importantes. Para o bom homem do campo nem se equipara em belezura.

Nem a chuva mansa que continua a manchar a rua com suas enxurradas que fazem molhar os solados dos sapatos, quando mais forte pode inclusive levar água aos joelhos, no caso de chuva de vento pode até inserir a umidade mais acima, impediu-me de deixar a cama quentinha antes do sol mostrar a carantonha amarela.

Saí pela portaria de onde moro cumprimentando alegre os simpáticos porteiros. Estava com meu Blootooth plugado as duas orelhas. Foi preciso retirar um deles para escutar as suas palavras de bom dia.

Fiz um breve discurso quando na portaria. A tal chuva criadeira me inspirou neste dia vinte e dois de novembro.

E eles dois me ouviram atentos.

Enquanto a chuva se deitava no asfalto ainda mais negro, tintando as folhas das murtas de maior verdume, todas as plantinhas sorridentes, inclusive pensei ouvir pássaros cantarem, foi que pensei na roça que tanto amo.

Bem sei que a chuva intensa pode ser prejudicial ao acabamento da casa quase pronta. Um barro vermelho pode inclusive interromper a estradinha curta. No entanto as obras da parte interna da residência não terão paro. As do lado de fora esperarão o tempo melhorar. O que serão alguns dias perto do tempo enorme que a obra da casa teve começo? Nada de significativo.  O obreiro pedreiro, de nome Mario, deve estar agora mesmo pitando seu cigarrinho aceso, além de parar o serviço para o cafezinho esperto que sempre esquenta.

Quando da chuva derriçada pensei na alegria das vacas expelindo seus conceptos. Pensei também no verdume da pastaria recém-plantada, nas folhinhas verdes de capim Mombaça, na felicidade do Roberto, o arrendador da minha rocinha encantada, ao ver a produção de leite aumentar, mesmo que o preco pago ao leite caminhe de mal a pior. Na azáfama das maritacas chupando as últimas jabuticabas grudadas à jabuticabeira molhada, a maior parte delas já foi deitada ao chão, que deve estar coalhado de frutas maduras, fazendo parte do cenário lindo do fim das frutas.

Pensei, por outro ângulo, não tão favorável, das dificuldades de levar o leite ao final do morro, para ser levado pelo caminhão tanque ao lacticínio, quando as rodas do veículo grudam e escorregam naquela curva sinuosa, que deveria ser corrigida pelo setor de transportes da cidade vizinha. Quantas vezes pedi ao responsável para que ele assim o fizesse e o mesmo tem adiado o serviço alegando falta de máquinas para levar o cascalho amarelo, retirado de ali pertinho. Um dia vou poder chegar ali sem o perigo de ter de ser guinchado pelo trator do amigo valente Roberto. Ou até mesmo, ao fazer a tal curva em S cair pro lado esquerdo e ir direto a um penhasco, pondo em risco a minha vida e de alguma rês perdida na imensidão do verde que de repente se tornou mais verde ainda.

No momento que a chuva cai penso naquelas mãos caludas molhadas pela água da chuva. Antes ali, nas palmas das mãos ásperas, havia barro. Agora não mais, graças a água da enxurrada que desce em bicas pelo acostamento da estrada, no exato instante que o estoico homem do campo se prepara para carpir o mato novo que sobe pelas canelinhas dos pezinhos de milho novo, pondo em risco o seu crescimento.

Penso, durante a chuva que deve cair, segundo as previsões, até no máximo amanhã, quinta-feira, no riozinho que se fez caudaloso, no ribeirão que teve seu curso aumentado em muito, durante as chuvas de final de ano. E nos peixinhos que, de alevinos de metamorfosearam em tilapinhas caipiras, que fazem a alegria das frigideiras e do apetite enorme dos pescadores. Com que prazer se degusta tilapias fritas junto a mandioquinhas da mesma forma passadas na gordura quente, ao lado de uma cervejinha estupidamente gelada, numa roda de amigos chegados de pouco.

Agora a chuva, antes mais forte, serenou um cadinho. Olho pela janela pensando em tanta coisa…

Essa mania de pensar tanto, de escrever demasiado, faz-me tanto bem quanto a chuva faz para todo lado.

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